Folha de S. Paulo


Leandro Piquet Carneiro

Brasil precisa de uma lei antiterrorismo? Sim

RESPOSTA DEMOCRÁTICA AO TERROR

A lei antiterrorismo proposta pelo governo Dilma é uma resposta tardia e um tanto hesitante diante de uma necessidade real do país. É tardia porque chega mais de uma década após a ONU ter lançado sua estratégia global contra o terrorismo.

A OEA (Organização dos Estados Americanos) e o Conselho Europeu foram no mesmo caminho e aprovaram suas respectivas convenções antiterroristas ainda na década passada. Esses esforços multilaterais de cooperação levaram países tão diversos quanto Índia, África do Sul, Colômbia e Argentina a adotar legislações específicas que tipificam o crime de terrorismo.

Se o Projeto de Lei 2016/15, do Executivo, for aprovado pelo Congresso, o Brasil terá a oportunidade de colaborar de forma mais direta para o desenvolvimento de um regime internacional que seja efetivamente capaz de prevenir as ameaças perpetradas por grupos e indivíduos que recorrem à violência e à ameaça como meio de ação política.

Quanto mais países adotarem leis domésticas contra o terrorismo, mais ágil será a cooperação global nas ações de inteligência, a extradição de acusados, o envio de provas para ações no exterior e o recebimento de informações que podem ser decisivas para investigações e processos em curso no Brasil. A medida também contribui para dar mais segurança ao ambiente de negócios do país e atrair investimento estrangeiro direto.

Mas nem todos estão convencidos dessas vantagens e o debate sobre a matéria caminha com alguma dificuldade. Há a desconfiança, compartilhada pelos partidos e setores da opinião pública mais de esquerda, de que a lei antiterrorismo, se aprovada, poderá ser dirigida contra os movimentos sociais.

Após 30 anos de estabilidade democrática, a desconfiança reflete pessimismo exagerado com relação ao funcionamento de nossas instituições, uma vez que a resposta típica do Estado à violência política, que eventualmente praticam os movimentos sociais, tem sido muito mais a tolerância do que a repressão. Isso não aconteceu por acaso.

A estabilidade social da qual usufruímos no atual ciclo democrático é produto de um sistema político que em alguns momentos pode não ter a agilidade ou eficiência desejadas pela maioria, mas que inegavelmente tem sido bem-sucedido na tarefa de acomodar interesses das minorias e tensões sociais e políticas.

É nesse contexto democrático que estamos legislando sobre o terrorismo. Não vivemos sob uma autocracia que tenta punir de forma desproporcional seus opositores, como fez a Venezuela na condenação de Leopoldo López sob a alegação de que ele havia patrocinado atos terroristas contra o governo.

As ameaças que o Estado e a sociedade brasileira enfrentam são distintas. Há enormes facilidades operacionais para a atuação de organizações terroristas no país, como a extensa e crescente presença do crime organizado e as fronteiras porosas por onde fluem continuamente drogas, armas e carros roubados. Embora o crime organizado e o terrorismo sejam fenômenos distintos, conectam-se constantemente no uso comum da mesma cadeia logística de serviços ilícitos.

Há ainda o contexto internacional que precisa ser considerado e diante do qual temos responsabilidades. As mentalidades isolacionistas e aquelas forjadas no contexto da Guerra Fria podem ter consequências particularmente negativas para a inserção global do Brasil.

Países com os quais temos um longo histórico de cooperação enfrentam a ameaça do Estado Islâmico, califado que usa o terror como o principal, se não o único, método de relacionamento com Estados, governos e grupos sociais que cruzam o seu caminho em qualquer parte do mundo –sem ideologia de esquerda ou de direita. O que faremos diante disso e quanto nos custará não fazer nada?

LEANDRO PIQUET CARNEIRO, 51, é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo

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