Eu não sei quem está mais errada –a ortodoxia liberal que "resolve" todos os problemas com a austeridade ou a heterodoxia desenvolvimentista que os resolve por meio da expansão fiscal. Sei, porém, que esse keynesianismo vulgar nada tem a ver com Keynes.
Diante da decisão da presidente Dilma de promover um ajuste fiscal em um quadro de recessão, o desenvolvimentismo populista pede a saída do ministro Joaquim Levy. Não saia, caro ministro.
Cesar Habert Paciornik/Editoria de arte/Folhapress | ||
Quando, em 1987, após o colapso da aventura populista que afinal foi o Plano Cruzado, eu assumi o Ministério da Fazenda e iniciei um ajuste fiscal, a "bancada econômica" do meu partido na época, o PMDB, incentivou minha expulsão da sigla. Só não fui expulso porque Ulysses Guimarães interveio.
Não é o ajuste fiscal o principal fato que nos tirará da crise, mas ele é essencial para que haja a recuperação da confiança das empresas, e elas voltem a investir.
O principal ajuste já aconteceu; foi o da taxa de câmbio. Desde que essa taxa permaneça no nível atual, a indústria brasileira voltará a investir e a exportar, e o Brasil voltará a crescer. O grande desafio é ter uma política cambial que mantenha a taxa de câmbio real no presente nível.
As causas da crise foram (a) a queda radical do preço das commodities exportadas pelo Brasil em agosto e setembro de 2014; (b) o esgotamento da capacidade de endividamento das famílias; (c) o agravamento da desindustrialização; e (d) a perda de confiança das empresas no governo, que se agravou devido à transformação de um superavit primário de 1,7% do PIB em 2013 em um deficit de 0,6% em 2014.
Não obstante, o desenvolvimentismo populista está indignado. Agora quer isentar o governo federal da Lei de Responsabilidade Fiscal. Como se fosse um absurdo estabelecer limites para o deficit público.
Seus representantes supõem que estão defendendo os trabalhadores e os pobres advogando agora a expansão fiscal, como supunham nos últimos 12 anos em que defenderam a apreciação cambial.
Não compreendem que o objetivo da política macroeconômica não é promover a justiça social, mas garantir o pleno emprego. Não se reduz a desigualdade quebrando o Estado e o país, mas tornando o sistema tributário brasileiro progressivo e aumentando os recursos para a educação e a saúde.
Uma política macroeconômica é legítima se atende a pelo menos três requisitos. Primeiro, é necessário que a economia esteja em recessão; segundo, que essa recessão tenha sido causada por um processo de superprodução e não de paralisação da economia provocada por perda de confiança; e terceiro, que o Estado esteja financeiramente sadio, de forma que quando o deficit público aumenta, todos sabem que esse aumento é temporário.
O Brasil atendia no início deste ano apenas ao primeiro critério. Não atendia ao segundo, porque não se pode falar em superprodução. E as finanças do Estado não estão sadias; muito ao contrário. A crise explodiu logo após o governo haver feito uma expansão fiscal violenta. Replicar com mais expansão fiscal é irracional.
Caro ministro Levy, pertenço a uma escola de pensamento diferente da sua, mas não vejo alternativa a sua política. O restabelecimento da confiança já está começando a acontecer porque a sociedade está vendo o esforço que está sendo feito para realizar o ajuste fiscal.
A depreciação cambial realizada pelo mercado devolveu competitividade à indústria. Agora é necessário que o Banco Central se convença de que está na hora de começar a baixar os juros, e teremos as condições para a economia brasileira sair da crise.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 81, é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas. Foi ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (governo FHC)
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