Folha de S. Paulo


César Muñoz Acebes

A privatização perversa das prisões

As prisões pernambucanas se tornaram verdadeiros empreendimentos privados. Imagine, se puder, como é estar preso ali. Por R$ 2.000, você pode comprar um "barraco", cubículo de madeira onde poderá jogar um colchão. Se você não tiver dinheiro, terá de competir com outros presos por algum espaço para dormir no corredor.

Para passar o tempo, você pode consumir cachaça artesanal, maconha e crack. Está sem grana? Você pode comprar a crédito, pelo dobro do preço, e pagar no próximo fim de semana, quando sua mãe lhe trouxer dinheiro. Você, porém, terá de separar uma parte para pagar uma "cota" semanal, ou será espancado.

Quem embolsa os lucros é o "chaveiro", o preso que goza da confiança das autoridades do presídio. Cada chaveiro recebe as chaves de um pavilhão e exerce o controle sobre ele. O chaveiro usa uma milícia, formada por outros presos, para espancá-lo, caso você conteste sua autoridade ou deva dinheiro a ele.

Ele também pode fazer com que você termine em uma cela de castigo. Os agentes penitenciários fazem vista grossa, ou recebem propina.

Essa é a terrível fotografia da vida nas prisões pernambucanas após visitar quatro delas. Entrevistei dezenas de detentos, egressos, familiares e autoridades.

Embora a existência dos chaveiros seja uma característica particular de Pernambuco, a situação que ali impera reflete um problema nacional: a superlotação e a escassez de pessoal qualificado tornam praticamente impossível controlar as prisões. No Maranhão, as maiores facções criminosas do Estado foram criadas pelos presos para se protegerem, dado o fracasso do governo em garantir sua segurança.

As prisões brasileiras abrigam mais de 607 mil pessoas, mas só têm vagas para cerca de 377 mil. As prisões pernambucanas são as mais superlotadas (31.700 presos em agosto de 2015, de acordo com dados do Estado), com três vezes mais presos que a sua capacidade.

Em Curado, o maior complexo penitenciário do Estado, entrei em uma cela com seis leitos de cimento para 60 homens, onde não havia espaço no chão para que todos se deitassem. O cheiro de suor, fezes e mofo era insuportável. O chaveiro permitia que os presos saíssem por apenas uma ou duas horas por semana.

Não surpreende, pois, que a incidência do HIV nas prisões pernambucanas seja mais de 40 vezes maior que a verificada na população em geral e a recorrência de tuberculose seja quase cem vezes maior.

Obviamente, quem comete crimes deve responder por eles e, se a lei o determinar, cumprir pena recluso, desde que a sentença seja proporcional ao crime. No entanto, quase 60% dos detentos em Pernambuco estão ali aguardando julgamento. Ainda que fossem condenados, ninguém deveria sofrer com esse tipo de condição desumana.

Apesar disso, há um sinal de esperança. Neste ano, todos os Estados iniciaram programas de audiências de custódia, durante as quais os juízes veem os suspeitos logo após sua detenção para decidir se devem permanecer presos ou aguardar o julgamento em liberdade.

Os juízes também podem identificar sinais de maus-tratos por parte da polícia. Tais audiências ajudam a reduzir a superlotação ao prevenir o encarceramento ilegal de suspeitos de crimes não violentos enquanto aguardam julgamento.

Solucionar os problemas do sistema prisional é de interesse dos cidadãos. A formação de facções criminosas nas prisões resulta em violência fora delas.

O Brasil precisa retomar o controle de suas prisões, além de parar de encarcerar pessoas que não deveriam estar presas. Viabilizar uma audiência de custódia para toda pessoa presa seria um bom primeiro passo.

CESAR MUÑOZ ACEBES, 42, é pesquisador da ONG Human Rights Watch e autor de um novo relatório sobre as prisões de Pernambuco.

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