Folha de S. Paulo


EDITORIAL

Uma breve história síria

O início da intervenção militar russa em áreas da Síria, ocorrido na semana passada, tornou ainda mais complexo o emaranhado de interesses contrários em que se transformou a guerra que arrasa o país há mais de quatro anos.

A revolta popular contra o governo tirânico de Bashar al-Assad, surgida no contexto da Primavera Árabe, aos poucos se converteu em violento conflito envolvendo os principais países da região, milícias radicais e as maiores potências do planeta –um percurso longo, tortuoso e sangrento.

Brutalmente reprimidas, as manifestações que eclodiram no princípio de 2011 logo degeneraram em combates armados que opuseram o Exército Livre da Síria, formado por grupos contrários ao governo e dissidentes, e as forças de segurança de Assad.

Aproveitando-se do caos gerado pela guerra civil, facções radicais islâmicas baseadas no Iraque passaram a se instalar no país vizinho. Em 2012, surgiu a milícia Jabhat al-Nusra, ligada a Al Qaeda.

Diante da perda de parcelas cada vez maiores do território, Assad recorreu ao aliado Irã. Aportou na Síria a facção libanesa Hizbullah, controlada pela nação xiita, equilibrando novamente o conflito. Em reação, monarquias do Golfo adversárias do Irã, como Arábia Saudita e Qatar, passaram a financiar os grupos contrários a Assad –que também digladiavam entre si.

No início de 2014, deu-se um evento decisivo. A facção extremista Estado Islâmico (EI) rompe com a Al Qaeda e, após alguns meses, anuncia um "califado" nas áreas conquistadas na Síria e no Iraque.

A incrível ascensão do grupo e a crueldade inaudita de suas ações chocaram o planeta. Em setembro do ano passado, uma coalizão militar capitaneada pelos EUA começa a bombardear posições do EI.

Agora, é justamente o combate à facção terrorista o motivo invocada pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, para os recentes ataques aéreos no território sírio. Bombardeios em áreas dominadas por grupos oposicionistas moderados, porém, mostram que os objetivos de Moscou vão além.

Trata-se, por um lado, de dar sobrevida ao governo de Assad, maior parceiro russo no Oriente Médio –estratégia oposta à dos EUA e seus aliados, que forcejam pela retirada do ditador. Por outro, a Rússia deseja ser vista pelo mundo, e sobretudo pela Europa, como peça crucial para a solução do conflito sírio e da luta contra o EI.

Em meio a tudo isso, uma nação inteira agoniza. Os mais de 250 mil mortos e 4 milhões de refugiados constituem o triste legado da indiferença –entre tantos propósitos e interesses– reservada à vida e à segurança da população síria.

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