Folha de S. Paulo


editorial

Águas de Marte

Todos os verões, milhões de litros de água salgada vertem dos cumes de encostas espalhadas pela superfície do planeta Marte. Anunciada pela Nasa, a agência espacial americana, a descoberta incendiou imaginações dentro e fora do universo científico.

Menos, é verdade, pelo fato de explicar as misteriosas ranhuras que se formam a partir do topo de montanhas e crateras do planeta vermelho nos períodos mais quentes e desaparecem nos mais frios.

A empolgação com o achado se deve, sobretudo, às expectativas que ele desperta. A presença de água em estado líquido no planeta vermelho aumenta a chance de que persista, ainda hoje, alguma forma de vida em solo marciano.

A novidade, afinal, comprova que remanesce nos tempos atuais algo do passado com líquido abundante –e consequente potencial de vida– no planeta vizinho.

As fotografias de cânions e vales obtidas pelas primeiras missões exploratórias de Marte, entre o fim dos anos 1960 e o começo dos 1970, já sugeriam que a água fluíra em algum momento por sua superfície.

A partir da década de 1990, sondas mais desenvolvidas começaram a produzir mapas detalhados do relevo marciano. Comprovou-se que oceanos e lagos fizeram parte da geografia do planeta.

Missões norte-americanas, já no século 21, encontraram grandes quantidades de gelo no subsolo e nos polos marcianos.

Dentre as incógnitas levantadas pela descoberta, a principal se refere à origem da água. O mais provável é que ela se forme por meio de um processo que condensa a umidade da atmosfera. Outras possibilidades incluem aquíferos subterrâneos e o derretimento de camadas glaciais sob o solo.

Nada fascina tanto pesquisadores e leigos, porém, quanto a possibilidade de encontrar vida fora da Terra. E a detecção de água líquida –um dos compostos essenciais de organismos vivos como os conhecemos– fluindo pela superfície de Marte torna o planeta o melhor candidato a abrigá-la.

Convém, no entanto, moderar as expectativas. Nem os dois jipes-robôs da Nasa atualmente em Marte nem a missão que deve ser lançada em 2020 deverão aproximar-se das áreas aquíferas –nenhum dos artefatos foi submetido ao custoso processo de esterilização total.

Ademais, a altíssima salinidade da água, superior à de qualquer lugar da Terra, mantém parte dos cientistas céticos quanto à capacidade de sobrevivência nesse ambiente. Todos concordam, entretanto, que Marte deixou de ser apenas um deserto inóspito.

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