Folha de S. Paulo


MAGID NAUEF LÁUAR

Preso deve ser apresentado a juiz em até 24 horas após flagrante? Não

MEDIDA INÓCUA

A garantia dos direitos humanos, civis e políticos é um bem universal. Nós, da Anamages (Associação Nacional dos Magistrados Estaduais), sempre nos posicionamos a favor dessa garantia e também temos conhecimento de que o Brasil subscreveu uma norma supralegal, o chamado Pacto de San José, na Costa Rica, que obriga a apresentação de pessoa presa a uma autoridade judicial sem demora.

Uma norma jurídica, porém, é sempre contemporânea ao tempo da sua elaboração. O Pacto de San José foi firmado em razão da Convenção Americana de Direitos Humanos –com muita pertinência– no ano de 1969, quando ditaduras assolavam a América Latina.

Alfredo Stroessner, no Paraguai, Juan Velasco, no Peru, Emílio Garrastazu Médici, no Brasil, Fidel Castro, em Cuba. Tal providência legislativa foi uma maneira de comprometer os ditadores a respeitarem os direitos humanos e, ainda, de impedir o assassinato e a tortura.

Assim, é preciso salientar que naquela época, no Brasil, grande parcela dos delegados de polícia não era concursada. Ou seja, não tinha formação acadêmica e nem comprovação de mérito. Daí tínhamos que a regra era o completo desrespeito dos direitos humanos.

Hoje, mais de 45 anos depois, há uma mudança completa nas situações política e jurídica no país. Temos delegados de polícia preparadíssimos, Ministério Público atuante e uma defensoria pública digna de todos os elogios.

Por força do artigo 306 do Código de Processo Penal, toda prisão já é comunicada imediatamente ao promotor de Justiça, ao defensor público, à família do preso e ao juiz criminal que apreciará os seus termos. Se o magistrado vislumbrar qualquer irregularidade, determinará a imediata soltura do preso.

A Defensoria Pública e o Ministério Público têm também plantões destinados para tal finalidade. Ressaltando que, antes de o preso em flagrante ser conduzido à prisão, ele é submetido a exame de corpo de delito por médicos legistas.

Isso significa que não é razoável acreditar que alguém seja preso em flagrante indevidamente e que o delegado de polícia ratifique a ilegalidade, que o promotor concorde com ela e que o defensor público se omita. A audiência de custódia é um bis in idem [a repetição de sanção sobre um mesmo fato]!

Outro aspecto é a falta de estrutura no Poder Judiciário para atender à demanda das audiências. Sem contar que, para conduzir o preso, há que se dispor de força policial, transporte, custo operacional etc.

A aplicabilidade dessa medida, se exigível, deveria ter sido precedida de condições mínimas para tal. Não se pode exigir do magistrado mais essa atribuição sem, contudo, dar-lhe condições estruturais para realizá-la. E o pior é que ele será o único responsabilizado.

Saliente-se que tal fato não diminuirá a criminalidade. Ao contrário, tudo leva a crer na existência de uma contraditória política criminal com o objetivo de economizar no investimento em presídios.

Necessitamos, na verdade, de mais presídios para acolher a criminalidade absurda que muito prejudica o nosso país. Precisamos de uma legislação processual penal com aplicação imediata da prisão dos delinquentes condenados em primeiro grau, e não essa hedionda infinidade de recursos, que transforma a decisão do juiz de primeira instância em tábula rasa.

Defendemos os direitos humanos, sim, e sempre vamos defendê-los. Mas isso não pode ser confundido com impunidade.

MAGID NAUEF LÁUAR, 56, juiz em Minas Gerais, é presidente da Anamages - Associação Nacional dos Magistrados Estaduais

*

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


Endereço da página:

Links no texto: