Folha de S. Paulo


ANTONIO GAVAZZONI

Naufrágio das contas públicas

No dia 10 de abril de 1912, um transatlântico espetacular deixou a Inglaterra rumo aos Estados Unidos. Tido como inexpugnável, o navio se tornaria protagonista do mais famoso naufrágio da história. Ao menos 1.500 pessoas morreram.

Os estudiosos ainda discutem se a tragédia poderia ter sido evitada, mas ninguém ousou enquadrar o naufrágio do Titanic na categoria dos acidentes previsíveis. Entre a constatação do impacto e o choque em si, passaram-se só 37 segundos.

Nesta sexta-feira (2), Florianópolis vai sediar a 158ª reunião do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), composto pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e pelos secretários da Fazenda de todos os Estados. Debateremos o possível naufrágio das contas públicas, um acidente que, diferente do caso do Titanic, é mais do que previsível.

Trataremos de questões complexas, como rombo orçamentário, guerra fiscal e o deficit da Previdência. A sociedade, passageira do navio, deveria prestar mais atenção a este assunto. Basta ver o que foi feito com a Previdência Social. Por um conjunto histórico de decisões desastradas, o sistema se dirige a um mar tomado por icebergs. Mantida a rota, vamos bater e afundar.

Quando a notícia do grande naufrágio do século 20 correu o mundo, as pessoas se espantaram. Como o mais moderno navio do seu tempo não oferecia as condições de segurança esperadas aos passageiros? Nossa Previdência também não oferece. A vantagem é que ainda podemos nos ajustar. Haverá tragédia, e das grandes, somente se insistirmos em fingir que está tudo bem.

Na esfera federal, o deficit da Previdência projetado para 2015 é de R$ 72,8 bilhões, 28,4% maior do que o de 2014. A União gasta com Previdência cinco vezes mais do que com educação e saúde.

Essa desproporção tende a aumentar. Em 2050, o Brasil terá três vezes mais idosos do que tem hoje. Lembremos: a crise de 2008 na Europa teve origem na Previdência grega, cujos números eram melhores do que os do Brasil atual.

Em Santa Catarina, o descompasso previdenciário é gritante. Em 2014, o gasto com pagamento de proventos a 60 mil servidores e pensionistas equivaleu a todo o Orçamento da rede pública de saúde, que atende mais de 6 milhões de pessoas. É o maior problema do Estado. Não temos como equacionar os desajustes do passado, mas não podemos aceitar que as dificuldades impeçam a busca por soluções.

No caso da Previdência local, acabamos de pactuar a redação de um projeto de lei conjunto entre os três Poderes, que institui a previdência complementar para os servidores públicos estaduais. Todos receberão até um teto de R$ 4.600. Quem quiser mais, contribui. O projeto respeita os direitos adquiridos de quem está no sistema. É no futuro que estamos mirando.

Hoje, arrecadar sempre acima da inflação é o único instrumento à disposição dos Estados e da União para manter as contas em dia. Se isso não ocorrer permanentemente –e não está ocorrendo–, o Brasil poderá ter que optar entre pagar os inativos ou assistir à sociedade.

No Titanic, quando todos os botes salva-vidas já haviam sido baixados, metade dos passageiros e tripulantes foram obrigados a permanecer no navio. Precisamos discutir abertamente quem deverá ceder para que o sistema não afunde. Como países não dispõem de bote salva-vidas, se não nos mexermos juntos para enfrentar o desafio das contas públicas, ninguém vai se salvar.

ANTONIO GAVAZZONI, 41, advogado, é secretário da Fazenda do Estado de Santa Catarina

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