Folha de S. Paulo


EDITORIAL

Candidato a caudilho

Líder latino-americano hoje há mais tempo no poder pelo voto, Evo Morales, presidente da Bolívia, pretende encompridar ainda mais sua permanência à frente do país.

Eleito pela primeira vez no final de 2005 –e hoje em seu terceiro mandato–, o governante vem patrocinando uma reforma constitucional que lhe permitiria disputar novamente a Presidência.

Tal pleito, de óbvio parentesco com a tradição do caudilhismo continental, avançou significativamente no fim de semana, quando o Congresso boliviano aprovou a mudança na Carta Magna, que ainda precisa passar por um referendo.

Embalado pela vitória na eleição de outubro do ano passado, Morales se aproveita de resultados econômicos e sociais favoráveis –embora em tendência de declínio–para dar seguimento aos seus desejos de perpetuação no poder.

O PIB boliviano cresceu 5,4% no ano passado, com inflação e contas públicas sob relativo controle. Mesmo encerrado o ciclo de alta dos preços do gás natural e outros produtos primários, ainda há fôlego para uma expansão projetada em mais de 4% neste ano.

A estatização das riquezas minerais gerou receitas para programas sociais que ajudaram a reduzir a pobreza e a desigualdade, mas já há sinais de aumento do deficit orçamentário e da dívida do governo.

Os planos do presidente boliviano, lamentavelmente, não constituem novidade no panorama político latino-americano.

Venezuela, em 2009, e Nicarágua, no ano passado, aprovaram a possibilidade de reeleição ilimitada. Mais recentemente, o Equador tem trilhado roteiro semelhante.

No poder desde 2007, o presidente Rafael Correa busca licença para disputar o quarto mandato, também amparado pelo que resta da era de prosperidade da região.

Evitando uma consulta popular sobre o tema, o partido de Correa conseguiu que a Justiça transferisse a decisão para o Legislativo, onde o presidente possui ampla maioria. A proposta deverá ser votada em dezembro.

Ao sustentarem a tentação continuísta, Morales e Correa prestam um desserviço ao amadurecimento institucional de seus países. O uso abusivo da reeleição alimenta o culto personalista e contribui para debilitar os contrapesos à dominância do Executivo.

Demonstram, ademais, desprezo por um dos traços essenciais da democracia, a rotatividade de partidos e líderes no exercício do poder.

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