Folha de S. Paulo


PHILIP FEARNSIDE

São Luiz do Tapajós e a farsa do Estudo de Impacto Ambiental

A bacia do Tapajós é a mais recente "fronteira hidrelétrica" do Brasil. Além da usina de São Luiz do Tapajós, 42 outras grandes barragens estão planejadas nesse rio e seus afluentes.

O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) tem uma clara tendência a minimizar ou ignorar impactos. Um relatório compilado pelo Greenpeace reúne análises de estudiosos dos assuntos tratados neste estudo.

É uma documentação contundente das suas falhas. A publicação foi lançada primeiramente em uma aldeia Munduruku na sexta-feira (25) e na Universidade de Brasília nesta terça (29).

A perda dos recursos pesqueiros, fundamentais para o povo Munduruku e para os ribeirinhos tradicionais, é provável, mas o EIA afirma que há "baixa expectativa de que altere significativamente as condições naturais dos ambientes aquáticos".

A destruição de locais sagrados dos Mundurukus é simplesmente ignorada. A prioridade dada para a represa resultou no bloqueio da criação da terra indígena Sawré Muybu para os Munduruku, que vivem em parte da área a ser inundada, bem como no da criação de outras terras indígenas em toda a Amazônia.

Os Munduruku não foram consultados, como exigido por lei (Decreto 5.051/2004). Com exceção de uma única comunidade reconhecida legalmente (Montanha-Mangabal), os ribeirinhos não são considerados pelo EIA como "povos tradicionais". Mesmo a comunidade reconhecida não é consultada.

A atração pelas hidrelétricas vem dos seus supostos custos mais baixos. No entanto, um padrão praticamente universal de custos muito maiores do que os orçamentos originais e de atrasos das obras fazem com que essa economia seja ilusória, como foi mostrado recentemente na revista acadêmica "Energy Policy" em uma extensa revisão mundial.

Belo Monte, por exemplo, já custa mais que o dobro da estimativa na época da decisão inicial. Além disso, somente os custos monetários são considerados. Barragens seriam ainda menos atraentes se os impactos sociais e ambientais tivessem peso adequado nas decisões. O Brasil tem muitas opções energéticas melhores.

Violações das proteções legais são permitidas a permanecer como fatos consumados e inalterados por meio de decisões judiciais, que invocam disposições decretadas durante a ditadura militar, mas ainda presentes na legislação do país (por exemplo, a Lei 12.016/2009).

As "suspensões de segurança" dispostas na lei permitem derrubar qualquer decisão que implica em dano à "economia pública". Elas já foram usadas 12 vezes para derrubar liminares contra as barragens do Tapajós, ou seja, ainda mais que os oito usos no caso de Belo Monte.

Ao invés de servir como base para a tomada de decisão racional, os EIAs são elaborados para favorecer a aprovação do projeto pelo Ibama, não importando quão graves sejam os impactos.

Isto precisa ser mudado, começando por garantir que os proponentes e o processo de EIA sejam separados. Por exemplo, colocando o dinheiro para preparar o EIA em um fundo independente e realizando a seleção e pagamento de empresas de consultoria (e outros) sem a participação dos proponentes.

Hoje, um EIA não tem influência sobre a decisão global de proceder com um projeto, já que a decisão é tomada antes que as informações sobre impactos sejam coletadas. Este sistema precisa ser alterado para que a coleta de informação e o debate público ocorram antes da decisão.

São Luiz do Tapajós serve como um aviso da fraqueza das proteções contra impactos das dezenas de outras grandes barragens planejadas na Amazônia brasileira.

PHILIP MARTIN FEARNSIDE é pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2007 junto a outros cientistas do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC)

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