Folha de S. Paulo


editorial

Justiça no vácuo

Um curioso impasse acomete o Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão que potencialmente afeta milhões de brasileiros.

Encontram-se sem possibilidade de ir a julgamento naquela corte os recursos envolvendo reparações de perdas acarretadas por vários planos econômicos, alguns dos quais de três décadas atrás.

Ocorre que alguns dos ministros do tribunal representaram, em sua carreira de advogados, pessoas que foram à Justiça em busca de indenização. Assim, declararam-se suspeitos para analisar o caso.

Já estavam nessa situação Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia; a eles acaba de se somar o mais recente membro do STF, Luiz Edson Fachin. Sendo o tribunal composto por 11 membros, torna-se impossível alcançar o quórum de oito ministros exigido para para avaliar esse tipo de ação.

Em última análise, o direito básico de acesso à Justiça se vê prejudicado pela composição da corte. Se nenhum ministro se aposentar antes da idade compulsória (75 anos), o número mínimo se restabelecerá somente quando tomar posse o substituto de Fux, em 2028.

O presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, não parece preocupado com a bizarra situação. "Regimentalmente não há alternativa", declarou; "portanto, não há julgamento."

Trata-se de "coisa normal, não extraordinária", acrescenta o ministro, considerando que "90% dos recursos não chegam ao Supremo". O que é algo diferente, cabe observar, de um recurso que efetivamente chega ao STF e deixa de ser julgado por mera casualidade.

É de perguntar se, em outros casos, tão cabal negativa de julgamento seria vista como legítima.

A reivindicação de uma saída para o problema vem mobilizando entidades de advogados. Já se aventou, por exemplo, a possibilidade de que um ministro do Superior Tribunal de Justiça viesse a ser convocado excepcionalmente.

Há quem sugira uma reinterpretação do regimento do STF, de modo a considerar, para efeitos de quórum, não o total de membros da corte aptos a julgar, mas o simples número de ministros presentes.

O fato é que, sem decisão do Supremo Tribunal Federal, a Justiça entra no vácuo. Para além deste caso específico dos planos econômicos, impõe-se a busca de uma norma para todas as situações semelhantes. É inadmissível que ministros da mais alta corte do país se acomodem diante desse impasse.

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