Folha de S. Paulo


Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello

Custos e benefícios do BNDES

Em artigo nesta Folha, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, fez dois pontos sobre a atuação do Banco: seu custo fiscal é menor do que o reportado pela Folha em 9 de agosto e, ausentes os empréstimos do BNDES, alguns projetos feitos nos últimos anos não teriam sido levados a cabo, diminuindo a taxa de investimento da economia.

A Folha calculou o custo fiscal pela diferença entre a taxa que o Tesouro financia o BNDES (Taxa de Juros de Longo Prazo, TJLP) e a taxa que paga na sua dívida, a SELIC, bem maior do que a TJLP. O presidente diz que o BNDES tem uma margem de intermediação. Esse lucro, assim como os impostos sobre ele, deviam ser considerados na conta porque retornam ao Tesouro.

O argumento contém um erro conceitual e duas omissões. Considere os impostos. Ausente o BNDES, o lucro seria gerado no setor bancário comercial e igualmente tributado. Pior, é bem possível que os bancos comerciais tivessem lucros maiores, gerando ainda mais arrecadação para o Tesouro.

O presidente do BNDS esquece que seu lucro é turbinado por outras fontes de financiamento subsidiadas além do Tesouro. Parte substancial do financiamento do BNDES vem do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que é remunerado à própria TJLP. O FAT auferiria uma remuneração bem mais alta fosse o FAT administrado por um gestor de mercado típico. A diferença é um subsídio que infla os lucros do BNDES. O já propalado déficit do FAT terá consequências fiscais, cedo ou tarde.

Por fim, quase todos os recursos do BNDES vêm de impostos que têm efeitos deletérios sobre a atividade econômica. O FAT é financiado por impostos pagos pelas empresas. Estes impostos reduzem o investimento e a contratação de trabalhadores. Este é o custo-sombra dos fundos públicos (diz-se "sombra" porque não é um custo contábil; manifesta-se em menos negócios e produção). Tal custo deve entrar na conta do lucro do BNDES.

O presidente diz que "os empréstimos de longo prazo do BNDES financiam investimentos que em boa medida não ocorreriam na ausência desse crédito. Isso origina venda de máquinas e insumos, que elevam a arrecadação. Esse efeito fiscal também precisa ser levado em conta".

É fato que o BNDES é o principal emprestador de longo prazo no Brasil. Mas, em boa medida, o mercado de capitais de longo prazo é tímido porque o BNDES tem acesso a fundos artificialmente baratos e empresta a taxas subsidiadas. A questão central é: o financiamento de longo prazo do BNDES gera mais "máquinas e insumos" do que seriam gerados caso os recursos do FAT e do Tesouro estivessem no mercado de capitais?

Sob quais condições o BNDES produziria mais crescimento e mais arrecadação? Se os projetos apresentam externalidades positivas, ou problemas de coordenação, o mercado falha. Sem subsídios, os investimentos não saem, diminuindo o crescimento. Resta saber se o BNDES financiou tais projetos. Somente uma avaliação rigorosa dirimirá a dúvida. A evidência disponível sugere não ter sido o caso (Lazzarini e Musacchio).

Por fim, o presidente diz que o BNDES aumenta o investimento agregado da economia. Não há evidência que sustente a afirmação. Pelo contrário: a taxa de investimento não aumentou enquanto o balanço do BNDES crescia vertiginosamente. Poderia ter caído sem o BNDES, mas o fato de não crescer é bem sugestivo.

Mesmo que tivesse aumentado o investimento, não é óbvio que isso produziria mais crescimento. O BNDES pode ter financiado projetos ruins que só ocorreram porque foram subsidiados. Como as estradas em Angola aumentam nosso crescimento?

O BNDES pode cumprir um papel importante. Sem subsídios, projetos cruciais de mobilidade urbana e de infraestrutura não sairão. Mas sua atuação, além de cara para o contribuinte, retira os recursos de outros tomadores.

Os azarados que usam os bancos comerciais pagam juros salgados, que cairiam se os recursos do FAT estivessem nos bancos comerciais e no mercado de capitais. Os azarados também produzem crescimento e arrecadação.

VINICIUS CARRASCO, 39, é professor do departamento de economia da PUC-Rio
JOÃO MANOEL PINHO DE MELLO, 42, é professor do departamento de economia do Insper

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