Folha de S. Paulo


editorial

Maduro na fronteira

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, passou a maior parte destes meses que antecedem a eleição parlamentar de 6 de dezembro tentando desviar o foco da catástrofe econômica e social em que seu país se encontra após 16 anos de administrações chavistas.

A ação diversionista mais recente, e também a mais perigosa, ganhou corpo há duas semanas, após um incidente em que três militares venezuelanos foram feridos a bala em circunstâncias confusas na divisa com a Colômbia.

Maduro culpou contrabandistas e prometeu "limpar a área". Fechou parte da porosa fronteira e decretou estado de exceção na região. Mais de mil colombianos foram deportados, muitos com documentação em dia. Outros 6.000 fugiram depois que viram suas casas serem marcadas com "D" de demolição.

O endurecimento com o país vizinho acompanha o agravamento da crise econômica.

Privadas do intercâmbio com a Colômbia, cidades venezuelanas sentem aumentar a incerteza quanto à oferta de produtos básicos nos mercados –um efeito colateral que pode custar caro para o impopular Maduro.

Somente um governo alquebrado recorre a expedientes tão arriscados assim. Se o presidente venezuelano precisou levar a pirotecnia a esse grau inédito, é porque sua situação política se debilitou nos últimos meses –e porque os gestos anteriores não interromperam a corrosão de sua imagem.

Em fevereiro, por exemplo, ele havia revelado o desbaratamento de um enésimo suposto golpe de Estado orquestrado pela oposição, com apoio de forças externas.

No mês seguinte, tentou aproveitar um pico de tensão com os EUA. Em resposta a um decreto da Casa Branca que impôs sanções financeiras a autoridades chavistas e classificou a Venezuela como ameaça à segurança nacional americana, Maduro ordenou manobras militares para fazer frente a imaginários planos de invasão.

Em maio, ressuscitou velha disputa com a Guiana. Sob o pretexto de que reservas de petróleo recém-descobertas no litoral do território de Essequibo pertencem à Venezuela, recorreu a exercícios militares e bombardeio midiático.

Insatisfeito com tais medidas, o presidente aperta o cerco à oposição e redesenha distritos eleitorais.

Sendo certo que nada disso poderá controlar a inflação de três dígitos ou conter a violência digna de países em guerra, Nicolás Maduro, vendo seu apoio reduzir-se a um quarto da população, faz com que todos os venezuelanos paguem o preço de sua impopularidade.

*editoriais@uol.com.br


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