Folha de S. Paulo


editorial

Concorrência líquida

O império das grandes empreiteiras sobre obras de infraestrutura no país sofreu grave abalo com a Operação Lava Jato. Consequência disso ou não, o governo federal deu um passo no setor de rodovias que poderá ampliar a concorrência e, quem sabe, desobstruir parte desse crônico gargalo logístico.

Construtoras de pequeno e médio porte, além de empresas estrangeiras, enfrentavam significativa barreira de entrada nos leilões de estradas. Na última leva de concessões, para qualificar-se, o concorrente tinha de comprovar patrimônio líquido de até R$ 870 milhões.

O governo agora abriu mão de tal exigência na nova versão do edital de leilão da chamada Rodovia do Frango, importante ligação de 460 km nos Estados de Santa Catarina e Paraná. Natália Marcassa, secretária-executiva do Ministério dos Transportes, disse ao jornal "Valor Econômico" que o mesmo se aplicará a outros 14 lotes.

Um dos efeitos prováveis da medida será atrair a atenção de concorrentes do exterior. Em economias mais estáveis, muitas construtoras preferem manter grau mais elevado de endividamento e patrimônio líquido reduzido no balanço, o que dificultava sua entrada nos certames brasileiros.

Decerto surgirão defensores da restrição à participação de firmas estrangeiras, em nome de proteção para empresas nacionais. Seria um contrassenso: o objetivo da supressão do requisito é justamente aumentar a concorrência.

Bem mais ponderável é o risco de que esse gênero de afrouxamento estimule a participação de companhias que não tenham fôlego para realizar os investimentos previstos em contrato. Trata-se de prática comum no Brasil, que resulta em paralisação de obras e sucessivos aditamentos contratuais.

O Ministério dos Transportes parece atento à possibilidade. Segundo Marcassa, permanece a exigência de garantias financeiras (como seguro ou fiança bancária) para os compromissos assumidos no leilão e de capitalização mínima da sociedade de propósito específico (SPE) que obtenha a concessão.

No caso da Rodovia do Frango, o capital a ser integralizado na SPE é de R$ 200 milhões. A estrada servirá como teste para os novos termos dos editais, caso sejam aceitos pelo Tribunal de Contas da União.

A tarifa máxima de pedágio nessa via foi estabelecida em R$ 14,62 para cada trecho de cem quilômetros, o dobro da média nos leilões de três anos atrás. A expectativa é que a competição –e não mais o voluntarismo do Planalto– se encarregue de reduzir esse valor.

Se estiver mesmo disposto a dar um salto de qualidade no setor, porém, o governo ainda precisará enfrentar problemas centrais que colocam sob risco o sucesso das concessões: dúvidas sobre o financiamento de longo prazo, exigências incompatíveis com preços e dificuldade de atrair estrangeiros devido ao risco de flutuação cambial.

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