Folha de S. Paulo


editorial

Gado verde

O Brasil reúne condições únicas para desenvolver sua pecuária: muita terra, insolação, chuva e tecnologia. Maior exportador de carne no mundo, o país, no entanto, tem também uma vocação ímpar para a perda de oportunidades.

É velho de décadas o diagnóstico de que a pecuária bovina brasileira tem baixa produtividade, com menos de uma cabeça por hectare (10 mil m2) de pastagem. Pouco se faz para mudar essa realidade.

Com um rebanho de 211 milhões de reses, o país produziu em 2013 seus 9,1 milhões de toneladas de carne. Os Estados Unidos, com 88 milhões de bois e vacas, faturou 11,7 milhões de toneladas. A criação lá é mais intensiva, com amplo recurso ao confinamento e suplementação alimentar.

Tampouco é nova a constatação de que o padrão extensivo da pecuária nacional sempre cresceu pela incorporação de novas áreas (leia-se: desmatamento). Nada menos que 2,2 milhões de km2 –um quarto do território– são ocupados por pastagens. Pior, a maior parte delas está degradada, invadida por cupins e ervas daninhas.

Não há razão para prosseguir dessa maneira arcaica. Simulação da Universidade Federal de Minas Gerais mostrou que o Brasil poderia chegar a 2030 com 250 milhões de cabeças em 1,74 milhão de km2.

A taxa de ocupação, segundo o relatório "Cenários para Pecuária de Corte Amazônica", teria de subir para 1,5 cabeça/hectare. A produção aumentaria de 53 kg de carne por hectare para 87 kg/ha. A precondição é disseminar boas práticas, um modelo já bem sedimentado pela Embrapa.

Claro está que seria preciso fazer um investimento, a começar pela recuperação de pastos degradados. A despesa pode ultrapassar R$ 2.500 por hectare.

O estudo da UFMG calculou que seriam necessários R$ 740 milhões por ano para reformar 360 mil km2 de pastagens (área correspondente a um Estado de São Paulo e meio) numa década. Com a intensificação, porém, 460 mil km2 seriam liberados para a agricultura de grãos sem derrubar uma árvore.

Além de pôr um ponto final na necessidade de desmatar, tal modernização traria o benefício adicional de reduzir as emissões de gases do efeito estufa (como o metano produzido na digestão do capim).

Estima-se que o equivalente a 115 milhões de toneladas anuais de gás carbônico deixariam de ser produzidas. É quase um décimo de toda a poluição climática que o Brasil produz hoje, o mesmo que retirar das ruas e estradas uma frota impensável de 115 milhões de carros. E ninguém sairia perdendo com isso.


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