Folha de S. Paulo


Ruy Martins Altenfelder Silva

O grande pacto

O Brasil perdeu a primeira grande oportunidade de discutir e de firmar um pacto federativo, por ocasião dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, em 1988.

Como pensava o saudoso Tancredo Neves, a Constituição a ser definida deveria consubstanciar o grande acordo entre brasileiros, suprapartidário, supraideológico em vista do interesse geral, que regeria e determinaria o futuro da pátria.

Lamentavelmente, durante os 20 meses de trabalho da Assembleia Constituinte, a participação popular não teve a intensidade e a receptividade que se esperava. Os diversos segmentos da sociedade não puderam ou não quiseram participar e influenciar na decisão dos grandes temas constitucionais. O regimento interno da Assembleia Constituinte assim não permitiu.

As propostas populares transformadas em emendas constitucionais não tiveram ressonância na Constituinte. Lembro-me, como então presidente da Comissão de Assuntos Legislativos da Confederação Nacional da Indústria, que o presidente da Fiesp/Ciesp, Mario Amato, sustentou em plenário a emenda popular defendendo a liberdade de empreender, com a presença de 30 dos 559 deputados constituintes.

Eu mesmo fui convidado e participei na fase das subcomissões e de audiências públicas. Relatei temas importantes, sem questionamentos. Não se debateu. Não se discutiu. Não se aprofundaram os temas. Perdeu-se a oportunidade de criar um novo pacto federativo.

Outro momento para realização desse acordo nacional ocorreu no final da década de 1980. Empresários, trabalhadores e governo acenaram para um entendimento nacional, trazendo para debates segmentos representativos da sociedade brasileira.

O pacto, para alcançar o seu objetivo de entendimento nacional, não poderá ser apenas econômico; também deverá abordar necessariamente os campos político, social e institucional. Esse movimento começou a gerar os primeiros resultados: governabilidade do país, evitar a hiperinflação e sensibilizar camadas significativas da sociedade.

Porém, não foi adiante, como se esperava. A classe política ficou apenas nas intenções. Não alargou o seu âmbito nem compreendeu os seus aspectos político-social. Os projetos de emendas constitucionais e leis complementares e ordinárias não foram debatidos e muito menos implementados.

No momento em que o Brasil atravessa grave crise político-social e institucional-econômica, é preciso ressuscitar a ideia do pacto federativo com a efetiva participação de todos os brasileiros.

O saudoso deputado Ulysses Guimarães, no introito da Constituição cidadã de 1988, afirmou que a "Constituição durará com a democracia e só com a democracia sobrevivem, para o povo, a dignidade, a liberdade e a Justiça".

O pacto tem significativa importância para a sustentação do Estado democrático de Direito, pois por meio do entendimento nacional se aperfeiçoará o sinergismo entre os diversos setores da sociedade. O povo brasileiro julgará os que tentam sabotá-lo por ação ou omissão.

RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA, 76, é presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas e presidente emérito do CIEE - Centro de Integração Empresa-Escola

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