Folha de S. Paulo


Pepe Vargas e Paulo Abrão

O direito ao cuidado

A Organização dos Estados Americanos (OEA) anunciou a aprovação da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas. Seu conteúdo estabelece novos direitos significativos frente ao desafio regional de pensar políticas públicas em um contexto de transformações demográficas: segundo estudos da ONU, o número de pessoas com 60 anos ou mais deve saltar de 700 milhões (2009) para 2 bilhões em 2050.

A convenção reconhece a independência, autonomia e plena capacidade jurídica das pessoas idosas para tomar todas as decisões que afetam suas vidas. Ela também avança em temas como a regulação das residências de estadia prolongada, espaços que até hoje se encontram, em muitos casos, sem regulação estatal. Estes são apenas alguns exemplos que refletem a nova concepção do lugar ocupado pelas pessoas idosas em nossas sociedades e do que deve ser feito para garantir de maneira concreta os seus direitos.

Também é reconhecido o direito ao cuidado, que envolve o desenvolvimento efetivo de um sistema integral de assistência e apoio às pessoas idosas, representando uma mudança de paradigma na concepção tradicional de abordagem do trato, atenção e políticas públicas na matéria.

Já há algum tempo o Mercosul vem refletindo sobre os bons tratos como forma de reafirmar o direito a uma vida livre de violência para pessoas idosas, mulheres e crianças. Agora, este conceito foi reconhecido pela primeira vez em um instrumento internacional de direitos humanos das pessoas idosas, de maneira sem precedentes, partindo da América Latina e do Caribe.

O direito ao cuidado talvez seja um dos temas mais inovadores com potencial de transformar em políticas públicas uma tarefa que historicamente esteve reservada ao âmbito privado, com evidente sobrecarga para as mulheres.

Contar com um instrumento desta natureza supõe modificar a maneira de pensar e atuar nesse tema desde a família, passando pela sociedade em geral e pelo Estado. A convenção está permeada por conceitos como o de igualdade substantiva, assumindo que, em muitos casos, as pessoas idosas se encontram em desvantagem comparativa para exercerem seus direitos, o que requer a tomada de medidas especiais e efetivas que possam derrubar definitivamente tais obstáculos.

Medidas ensejadas por um Estado forte e garantidor dos direitos fundamentais, com capacidade de ação sólida e efetiva para atender as demandas destas pessoas, pensando a longo prazo.

Este novo piso de direitos é o resultado do trabalho comprometido de vários Estados, que impulsionaram esta convenção agora vigente, bem como de movimentos sociais de pessoas idosas, que demandam permanentemente a plena realização dos seus direitos, que implicam em atenção integral e tratamento em condição de igualdade.

Cabe destacar que o processo de redação e negociação da convenção pelos governos, com o objetivo de estabelecer consensualmente as obrigações previstas no texto, teve o imprescindível acompanhamento técnico da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) e do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH).

A aprovação desta convenção representa o reconhecimento de que os países da região estão avançando, pensando e planejando a agenda de direitos humanos, igualdade e desenvolvimento. Ainda há um longo caminho a percorrer, compromissos para cumprir, legislações a adequar, políticas a desenhar, orçar e implementar, garantindo a prioridade que a temática das pessoas idosas exige.

O momento é de celebrar o grande passo que foi dado para poder avançar cada vez mais preparados na direção do futuro.

PEPE VARGAS, 57, ministro-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
PAULO ABRÃO, 40, doutor em direito pela PUC-Rio, secretário executivo do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul e presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça

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