Folha de S. Paulo


Ana Moser

O Rio está preparado para a Olimpíada de 2016? Não

LEGADOS ESPORTIVO E SOCIAL SEM CRONOGRAMA

Em um ano chega ao fim a década esportiva brasileira, iniciada no Pan-Americano do Rio em 2007, passando pela Copa do Mundo 2014 e concluindo nos Jogos Olímpicos Rio no ano que vem. Uma década em que o Brasil tratou o esporte de maneira crescente, ampliando e amadurecendo o debate a cada etapa.

Várias foram as promessas de desenvolvimento apresentadas na candidatura olímpica e durante a construção do evento. A um ano dos Jogos, é possível analisar as prioridades e o que tem mais chance de ser entregue no final das contas.

São metas para desenvolver a cidade do Rio de Janeiro, para ampliar as condições físicas e humanas para receber as competições e os visitantes, ter os resultados suficientes em todas as modalidades para figurar entre os top dez da Olimpíada e ainda deixar um legado esportivo para todo o Brasil e América do Sul.

As águas da baía de Guanabara continuarão poluídas, mas em termos de obras, apesar do risco de não finalizar a principal linha de metrô que liga o centro à região das competições, deverá ser tudo entregue a tempo, pois a primeira preocupação foi preparar o Rio, construir as arenas e complexos esportivos e a rede de mobilidade, hospedagem e segurança durante os Jogos.

Isso foi feito, mas ao custo de muito recurso federal, ou seja, financiado pela população do Brasil. E a cobrança é por contrapartidas que beneficiem todo o país.

O que um jovem do Maranhão ou de Santa Cruz, na periferia do Rio, ganha, em termos esportivos, sociais e pessoais, com a Olimpíada? Essa resposta sempre esteve no segundo plano das prioridades e está extremamente atrasada no planejamento e ações. Se as obras estão com o cronograma apertado, o legado esportivo e social dos Jogos não tem nem cronograma ainda.

Bilhões investidos nesta década financiaram a estrutura de treinamento de todas as modalidades: muitos técnicos estrangeiros e atletas naturalizados, escola de formação de técnicos e novidades do novo programa Brasil Olímpico.

Por outro lado, duas questões estruturantes não foram consideradas naquela momento de fartos recursos. Em primeiro lugar, as estratégias para enfrentar uma possível queda de investimento público e privado após Rio-2016.

Segundo, o desenvolvimento do esporte competitivo nos Estados e nas categorias de base para ampliar o número de praticantes e a renovação dos nossos atletas olímpicos. Hoje temos confederações ricas, federações pobres e poucos clubes.

Outro aspecto do legado esportivo e social é a utilização das arenas olímpicas após os Jogos. Com muito atraso foi apresentado no mês passado o plano da Prefeitura do Rio para parte das estruturas.

O projeto apresenta diferentes usos que envolvem mais recurso público para desmontagem e remontagem em outros locais, recurso privado para explorar comercialmente os espaços, projetos sociais a serem desenhados, centros de treinamento a serem mantidos, adequação de espaços para virarem escolas e universidade do esporte e população ativa para utilizar boa parte das novas praças esportivas.

Num mundo ideal, todas essas e outras ações estariam totalmente planejadas, mas não é o que ocorre. Mais para a frente, na hora de esse discurso de legado apresentar suas contas, veremos que muito do que foi feito será desperdiçado.

Num ritmo mais lento e menos custoso do que as obras do Parque Olímpico, essa pauta ampliada precisa avançar em todos os níveis.

Esse é um legado que pode levar ao desenvolvimento de novas formas de organização do esporte que se realizem de forma ampliada e sustentável num futuro –esperamos– não muito distante.

ANA MOSER, 46, medalhista olímpica do vôlei em Atlanta-96, é presidente da ONG Atletas pelo Brasil e do Instituto Esporte & Educação

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