Folha de S. Paulo


Luiz Fernando Pezão

Pactuar para quê?

O sistema brasileiro perverteu a prática do que se chama Federação, e isso não pode ser encarado como trivial. Politicamente, não é e nem será fácil tocar o pacto federativo, mas tornou-se premente a confecção de um novo "manual de instrução", agregando equilíbrio, isonomia e autossuficiência ao lema ordem e progresso.

A discussão para fortalecer as autonomias dos governos se arrasta desde a promulgação da Constituição brasileira. Há quase 30 anos, portanto, discute-se o porquê de os Estados não poderem legislar sobre temas específicos, como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos, Alemanha e Índia.

O atual modelo de compartilhamento de responsabilidades não permite que Estados e municípios fechem suas contas sociais e orçamentárias. Por isso, a discussão do pacto federativo pelo Senado ganha novo fôlego em momento mais do que oportuno: já está passando da hora de se construírem novas possíveis regras de convivência entre as administrações públicas e o governo central.

O que se almeja com essa reforma é ampliar o poder de Estados e municípios por meio de regras e direitos igualitários. Sobram-nos exemplos de corda no pescoço. As atribuições de Estados, por exemplo, têm crescido na saúde, educação e segurança. Em 1988, a saúde contava com quase 90% de recursos da União. Hoje, esse montante não chega a 50%. Sem falar que mais de 60% da receita total ficam no cofre do governo federal.

Pelo pacto federativo, caberá à União discutir e implementar projetos nacionais que congreguem a Federação, porque políticas únicas precisam, indiscutivelmente, ser mantidas. O pacto permitirá também uma grande mudança no perfil da distribuição das receitas: nenhuma despesa seria criada para Estados e municípios sem que antes fosse definida a fonte de custeio.

O debate agora é pelo desenvolvimento regional e incremento das finanças dos governos estaduais e municipais. Esse diálogo percorre a criação de fundos para o desenvolvimento das regiões.

Somente a partir da melhor transferência de recursos e a deferência à soberania das administrações públicas será possível aprimorar os serviços oferecidos à população. A prática federativa não onera os cofres da União.

Há muito o que se discutir também sobre a unificação das alíquotas do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), a criação de fundos de compensação e ainda os critérios de distribuição do fundo de participação das receitas de petróleo e gás natural.

Tenho conversado com governadores e prefeitos, e todos são unânimes ao se queixarem sobre a proposição de aumentos de impostos cuja arrecadação é toda do governo federal. Essa engenharia é um equívoco e vem sendo tratada como espécie de antipacto.

Gosto muito de uma frase de Tancredo Neves sobre o poder dos prefeitos. Tancredo costumava dizer que "prefeito manda, governador pensa que manda e presidente dá exemplo". Vereador e prefeito têm nas mãos a possibilidade de pavimentar a vida do cidadão.

O governo federal é uma espécie de síndico dos Estados e municípios, que têm independência para, por exemplo, decidir como vão gastar seus Orçamentos. Mas é a União quem distribui os recursos, e essa receita desandou faz tempo.

Em decorrência desse mecanismo, a musculatura de boa parte das administrações públicas está perigosamente tensionada, lesionando resultados que deveriam beneficiar a população. As administrações municipais e estaduais não podem mais arcar com essa conta.

Não perco minha alma municipalista: estou à frente de um governo estadual e todos os meus programas são voltados para os municípios. Repasso recursos para prefeituras e mantenho parcerias com os 92 municípios do Rio de Janeiro. Isso é perseguir o desenvolvimento.

LUIZ FERNANDO PEZÃO, 57, é governador do Estado do Rio de Janeiro

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