Folha de S. Paulo


editorial

Complexa China

Ao longo de quase 40 anos, a China passou pela maior e mais rápida trajetória de modernização da história. O socialismo com características chinesas –jargão utilizado por seu líderes– combinou dirigismo estatal no crédito e nas indústrias essenciais com liberalismo desenfreado nas atividades de menor importância estratégica.

Sustentado pela grande poupança interna, pela construção de sofisticada base industrial e por investimentos maciços em infraestrutura, o modelo transformou o país em uma potência global.

Nos últimos anos, porém, o ritmo de crescimento diminuiu. Já são comuns projeções inferiores a 5% ao ano até o final da década, com risco de resultados mais modestos.

Além disso, percebem-se problemas estruturais, como alto endividamento de empresas e governos regionais (a dívida total de todos os setores chega a 282% do PIB), ociosidade e queda de lucros em diversos segmentos industriais, excesso de investimentos imobiliários e deflação persistente.

Evidência das dificuldades é a reação cada vez mais tímida aos incentivos oficiais. Desde 2010 os pacotes de estímulo fracassam em interromper a desaceleração.

O impacto principal tem sido mais nas expectativas volúveis dos mercados financeiros do que na atividade empresarial. A Bolsa de Xangai é o exemplo mais recente. Depois de entrar em euforia e subir 110% de novembro de 2014 a junho deste ano, despencou 30%.

Os problemas se agravam porque a economia chinesa é hoje muito mais complexa do que no passado. A tradicional gestão com régua e compasso por parte do governo se mostra cada vez menos eficaz, sobretudo para lidar com o legado de dívidas impagáveis.

O país precisa consolidar um novo modelo menos baseado nas decisões estatais. O benefício virá adiante, com uma economia mais livre e mais eficiente.

No curto prazo, todavia, há o risco da perda de controle –ou da ilusão de controle–, algo que inquieta os investidores.

Uma coisa parece certa: o padrão de crescimento mudou. A outrora voraz demanda por matérias-primas parece ter-se saciado. A queda nos preços interrompe, assim, um vaso comunicante de prosperidade para outros emergentes –e a reorientação chinesa obriga todos a repensar suas próprias estratégias de desenvolvimento.

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