Folha de S. Paulo


editorial

Lixo no Congresso

De uma só tacada, o Senado decidiu que o lixo deve continuar a se acumular em lugares impróprios Brasil afora e que deve seguir em deterioração o império das leis.

Ora, as leis. Uma delas, por exemplo, estipula desde 1998 que é crime depositar dejetos a céu aberto nos chamados lixões.

Apesar disso, o Ipea divulgou em agosto de 2014 que 2.507 dos 5.564 municípios (45%) ainda destinavam a essas pocilgas o lixo domiciliar e o originado no sistema de limpeza pública.

Lixões são uma ameaça à saúde. Além de empestear o entorno com odores e pragas, o chorume –líquido tóxico decorrente da decomposição dos rejeitos– atravessa o terreno e contamina o lençol freático. A solução são aterros sanitários, com impermeabilização do solo, captura do chorume e controle dos gases produzidos.

União, Estados e municípios se mobilizaram para pôr fim ao descalabro, o que resultou num Plano Nacional de Resíduos Sólidos coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Ipea, consagrado em lei em 2010. A legislação determinava que os lixões fossem extintos até meados de 2014.

O prazo, vá lá que um pouco apertado, foi –como de praxe– descumprido. Sob pressão da Associação Brasileira de Municípios e da Confederação Nacional dos Municípios, o Congresso Nacional agora trabalha para estendê-lo.

Segue de cambulhada para o lixo o conceito de que leis são feitas para serem cumpridas.

O argumento aceito pela senadora Vanessa Grazziotin (PC do B-AM), relatora da proposta, reza que a maioria dos municípios não tem quadros nem qualificação técnica para elaborar os requeridos planos de gestão de resíduos.

O Senado prorrogou os prazos para algo entre julho de 2018 (capitais e regiões metropolitanas) e julho de 2021 (cidades com menos de 50 mil habitantes). Até a véspera do bicentenário da Independência, cabe dizer, como que a marcar que 200 anos não bastaram para resolvermos uma questão básica de saneamento.

Toca agora à Câmara dos Deputados debater-se com o insalubre problema. Falta apenas saber se é mais difícil erradicar os lixões deste país ou a irresponsabilidade com que seus parlamentares fazem e desfazem as próprias leis.

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