Folha de S. Paulo


Fernando Facury Scaff

A guerra fiscal e as empresas

Está em curso uma guerra fiscal entre os Estados buscando atrair investimento para seus territórios através de renúncia de parte do ICMS, usualmente sem respaldo legal.

Recentemente, analisando um caso isolado (ADI 4481) dessa disputa, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as empresas que haviam se beneficiado de incentivos fiscais concedidos irregularmente pelo Estado do Paraná não poderiam ser cobradas retroativamente pelos tributos que tinham deixado de recolher ao longo dos anos em que se beneficiaram da lei.

Trata-se de uma novidade, pois até então o STF julgava impondo a cobrança retroativa de todo o imposto.

A decisão adotou um caminho adequado: as empresas agiram de boa fé ao acreditar na lei que concedia os incentivos fiscais estaduais e realizaram os investimentos que só foram economicamente viáveis graças à redução de tributos.

Por outro lado, a cobrança retroativa dos impostos iria gerar uma enorme insegurança jurídica e poderia até mesmo representar uma quebradeira de vários setores econômicos que se beneficiaram da lei. Isso para não mencionar as incontáveis ações judiciais que seriam geradas, pois existem fortes razões para amparar a inconstitucionalidade da retroação dessa cobrança.

A decisão mostra um caminho que o STF pode trilhar para começar a resolver o problema que o fim desses incentivos vai causar. Porém, ainda não é suficiente. É necessário dar tempo às empresas para que reorganizem seus negócios. O ideal é que o Tribunal conceda efeitos futuros, algo como 12 meses após a publicação do acórdão.

Caso contrário, como ficarão as empresas que foram atraídas para esses Estados justamente por causa dos incentivos? Terão viabilidade econômica? Como o custo de distribuição para os distantes grandes centros de consumidores será compensado? Retirar esse benefício da noite para o dia pode significar o fechamento de várias empresas e postos de trabalho justamente nos Estados menos desenvolvidos, em pleno período recessivo.

Essas empresas terão um forte aumento de carga tributária com a revogação desses incentivos, em especial se considerarmos que as isenções federais estão sendo retiradas, fruto do ajuste fiscal, com forte impacto na produtividade e na geração e emprego e renda. Reforçará a sensação de que é melhor colocar dinheiro na ciranda financeira do que arriscar na formação de empresas. Empreendedorismo em baixa. Ou seja, além da queda, o coice.

Os secretários de Fazenda acenam com um pedido de vários milhões de reais em um fundo criado pela União, a ser utilizado pelos Estados, visando manter as finanças públicas equilibradas. Será usado para manter a atração das empresas nos Estados? A União aportará dinheiro nesse fundo, em face de suas combalidas finanças?

São dúvidas que cercam as negociações que vem sendo realizadas, enquanto permanece a guerra entre os Estados por mais recursos, com ações judiciais para rever a negociação das dívidas com a União, dentre outras disputas.

O risco está em que, na busca dos Estados por mais recursos, as empresas pereçam, entre o mar e os rochedos. Não basta se preocupar com os efeitos passados, para os quais existem remédios judiciais individuais, é necessário também olhar para a sustentabilidade econômica desses empreendimentos.

FERNANDO FACURY SCAFF é professor da USP e livre docente em direito pela USP. É sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff - Advogados

*

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


Endereço da página:

Links no texto: