Folha de S. Paulo


Sylvio Back

Eu sou duzentos!

Imodestamente, com esse título parafraseando a bela auto epígrafe de Mário de Andrade, estrela da recente Flip, onde, sem nenhuma coincidência (ora direis!) foi lançada a "Antologia da Poesia Erótica Brasileira", de Eliane Robert Moraes, e para a qual fui convidado a ceder dois poemas sem custos (sim, ganhei um exemplar, unzinho!).

Vejo-me compelido a denunciar a forma e o conteúdo desrespeitosos e canhestros com que meu fabro erótico foi contemplado nesta obra da Ateliê Editorial, ilustrada com exuberantes desenhos de Arthur Luiz Piza.

Peço vênia ao leitor pela, idem, própria referência, autor que sou de mais de duzentos poemas –o único do país com esse repertório distribuído em cinco livros, a saber "O caderno erótico de Sylvio Back", "A vinha do desejo", "boudoir", "As mulheres gozam pelo ouvido" e "Quermesse"– na ilustre e quase sempre omitida, quando não proscrita, vertente da obra de dezenas de soberbos poetas do mundo e tempos afora.

E, no caso, honrosamente, sem que eu financiasse a edição de nenhum deles (toada comum à maioria dos vates), tudo publicado por editoras nacionais nos últimos trinta e cinco anos (Guilherme Mansur, editor, Geração Editorial, 7Letras, Demônio Negro,Topbooks, EdUFSC).

Portanto, não estou chegando agora e já quero sentar na janelinha, como se diz. Nem sou nenhum neófito no quesito em tela, nem poeta acidental que vez por outra comete seus versos fesceninos e, rara e ralamente, ousa que venham a lume, valendo-se dos mesmos argumentos do genial Carlos Drummond de Andrade que só permitiu que seu maravilhoso gomo pornográfico fosse conhecido post-mortem, temente que maculassem a obra.

Ao não lograr delimitar a polêmica linda entre erótico e pornográfico, tão mal alinhavada na introdução teórica à "Antologia da Poesia Erótica Brasileira", é que Eliane Robert Moraes, engessada por um provecto cilício moral e beletrista acadêmicos, pegou no meu pé, digo, no pé dos meus versos "inquebráveis".

Mimoseando-me com uma das mais enxutas dentre as biografias (até Álvares de Azevedo teve parte do nome limado), culminando com uma rata de dar dó: o meu poema "hosana ao grelo" teve grosseiramente suprimidos três versos no livro, ficando largado, inconcluso na página, sem o sintagma que o arremata: "o grelo é ninfeu". E, fechando a inglória fatura, Moraes destrói espacialmente os poemas editados (o branco da página e o locus da palavra fazem parte da coisa, hein?).

Por sorte, meu minimalista florilégio, tão chicoteado pela desídia e a displicência do livro, vem de alhures mui a cavaleiro de uma consistente fortuna crítica que desvaneceria qualquer pobre coitado como eu, autores esses, por sinal, com todos os méritos, a maioria presente na antologia.

Entre outros, Décio Pignatari, Affonso Romano de Sant´Anna, José Paulo Paes, Manoel de Barros, Paulo Leminski, Carlos Nejar, Xico Sá, Alexei Bueno, Josely Baptista Vianna, João Ubaldo Ribeiro, Douglas Diegues, Régis Bonvicino, Marcelino Freire, Roberto Muggiati, aí incluído o poeta e critico, Felipe Fortuna, que apresenta "Quermesse", conferindo-me a expressão "poeta original" (desculpe, leitor).

Tome tento, Eliane Robert Moraes!

SYLVIO BACK é cineasta, escritor e poeta

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