Folha de S. Paulo


Luís Inácio Adams e José Levi Mello Do Amaral Júnior

A responsabilidade fiscal do governo

Na célebre lição do publicista francês Charles Eisenmann, há uma legalidade que submete o cidadão, que pode fazer tudo o que não lhe veda a lei, e há uma legalidade que submete o Estado, que só pode fazer o que lhe permite a lei. A primeira é a legalidade compatibilidade. A segunda, a legalidade conformidade. O resultado é democrático: liberdade às pessoas e restrição ao Estado.

Ora, as contas presidenciais guardam rigoroso respeito à legalidade conformidade, sobretudo em face da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). No julgamento das contas presidenciais de 2014, o TCU (Tribunal de Contas da União) fez glosas que são, todas, relativas a despesas correntes obrigatórias de caráter continuado derivadas de lei, espécie com previsão específica no artigo 17 da LRF.

Por isso, não se trata de operação de crédito, real ou camuflada. Operação de crédito pressupõe assunção, espontânea, voluntária, de obrigação nova, até então inexistente, com impacto direto na dívida pública, aumentando o endividamento do ente. Daí porque mereceu tratamento prudencial na LRF, cuja finalidade é controlar com firmeza o endividamento público.

Os programas sociais, como o Bolsa Família, são previstos em lei e demandam estrutura para capilaridade na distribuição dos benefícios. É aqui que entram as instituições financeiras e suas agências.

De um lado, há um montante de recursos de responsabilidade da União a ser repassado aos bancos para custeio dos programas sociais. De outro, há um montante de valores que é efetivamente entregue aos beneficiários por esses bancos.

Os pagamentos são mensais, inclusive com benefícios que nem sempre são sacados. Daí deve decorrer fluxo de transferência pela União, para que os pagamentos sejam cobertos por recursos da União.

Aqui vem o dado essencial: nos últimos anos, dentro de um mesmo exercício financeiro, inclusive em 2014 –objeto de exame no TCU–, o saldo médio entre repasses e os pagamentos efetivados pelos bancos é sempre positivo para a União.

No total de transferências em cada um dos anos civis (que correspondem, cada um, a um exercício orçamentário), a União invariavelmente repassou mais valores do que os bancos efetivamente pagaram aos beneficiários dos programas sociais, razão pela qual foi, em todos os anos, credora dos bancos.

(Em 2014, a Caixa recebeu R$ 80 bilhões, com saldo médio positivo de R$ 1,5 bilhão relativamente aos pagamentos de benefícios sociais, tornando o banco devedor da União em R$ 140 milhões.)

Logo, seja do ponto de vista conceitual, seja do ponto de vista prático, é impossível cogitar, neste caso, operação de crédito, e muito menos operação de crédito vedada pela LRF. O que se tem é o simples pagamento de benefício social determinado em lei, sem assunção espontânea e voluntária de dívida nova. É, na verdade, o cumprimento de obrigação legal, que não impacta no endividamento da União.

Eventuais repasses mensais que não cobriram os saques ocorridos no período (o que em nenhum dos últimos anos implicou saldo negativo contra a União no ano) em nada mudam a natureza da obrigação. Continua ela rigorosamente a mesma: despesas correntes obrigatórias de caráter continuado derivadas de lei, não operações de crédito.

O exato montante dos repasses decorre da necessidade de maior eficiência alocativa dos recursos públicos de modo a evitar sobras na conta de suprimentos em prejuízo de outras necessidades públicas.

Esses e outros pontos estão sendo esclarecidos pelo Poder Executivo ao TCU para demonstrar a rigorosa conformidade das contas presidenciais à Lei de Responsabilidade Fiscal, com estrito respeito à legalidade conformidade.

LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS, 50, procurador da Fazenda Nacional, é ministro-chefe da Advocacia Geral da União
JOSÉ LEVI MELLO DO AMARAL JUNIOR, 39, procurador da Fazenda Nacional, é consultor-geral da União

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