Folha de S. Paulo


Editorial

Tesouros de pedra

A paisagem ressequida, típica do semiárido nordestino, não denuncia o passado da bacia do Araripe. Localizada entre o Ceará, o Piauí e Pernambuco, a região era formada há milhões de anos por imensos lagos de água doce que, vez por outra, conectavam-se com o mar.

Seus habitantes de outrora –dinossauros, pterossauros, crocodilos, tartarugas, peixes e insetos– hoje emergem do solo dos antigos reservatórios na forma de fósseis incrivelmente bem conservados.

Reconhecido como um dos mais importantes depósitos de tesouros paleontológicos do mundo, o Araripe vem sendo espoliado há décadas pela ação de traficantes, que vendem os exemplares para colecionadores e museus no exterior.

Cometem não apenas o crime de contrabando como privam o país de um patrimônio de inegável importância científica e turística.

Para piorar, recuperar essas relíquias é tarefa árdua. O Ministério Público Federal tenta desde 2007 repatriar fósseis de mais de cem milhões de anos levados a países como Japão, Alemanha e Itália.

Dos cinco inquéritos abertos, dois já foram arquivados; os demais, na avaliação dos procuradores, têm poucas chances de prosperar. A grande dificuldade, afirmam, é obter informações requisitadas pelas nações estrangeiras, como data e circunstância da saída dos exemplares. Trata-se, afinal, de delito praticado na surdina.

Um estudo de 2010 mapeou o estrago que o comércio ilícito já causou à pesquisa nacional. Das 41 espécies de vertebrados terrestres extintos descobertas no Araripe, 21 tem seus exemplares de referência –usado para descrever o tipo– armazenados fora do Brasil.

Coibir esse crime, porém, não é fácil. Suas causas começam na extrema pobreza da população local, que lucra com a venda dos "bichos de pedra", e passam pela fiscalização insuficiente do Departamento Nacional de Produção Mineral.

Esses fatores estruturais convivem ainda com uma legislação que, vale o trocadilho, se encontra fossilizada, dificultando o trabalho de repressão ao contrabando.

Tramita no Congresso um projeto para substituir o decreto-lei que regula o tema, datado de 1942. A nova proposta estabelece desde uma definição do que seja um fóssil até infrações no acesso a esse patrimônio, bem como as sanções determinadas para as ilegalidades.

Sua aprovação decerto constituiria um avanço numa batalha que o Brasil vem perdendo há décadas.

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