Folha de S. Paulo


Editorial: Rotas de desespero

Os governos dos 28 países que compõem a União Europeia aprovaram, na semana passada, uma operação naval com vistas a enfrentar o contrabando de migrantes pelo mar Mediterrâneo.

A articulação é não só uma tentativa de conter o crescente fluxo de pessoas que, saindo do norte da África, procuram chegar à Europa, mas também uma resposta ao aumento de tragédias durante a travessia. Registraram-se cerca de 1.800 mortes nesse trajeto de janeiro a abril, número 15 vezes maior que no mesmo período de 2014.

Programado para entrar em ação em meados de junho, o plano militar começará com atividades de inteligência, no intuito de mapear as redes e os responsáveis pelo transporte clandestino –um negócio lucrativo que rende até € 2.000 (R$ 6.800) por cabeça.

Os passos seguintes da operação incluem a interceptação de embarcações antes que deixem as águas africanas e a destruição dos barcos.

Apesar de anunciado por autoridades europeias como uma resposta firme e rápida à crise humanitária, o plano parece antes destinado a tapar o sol com a peneira –e a recusa de países como Reino Unido, Espanha e França a discutir compartilhamento de responsabilidades na absorção de imigrantes só contribui para esse diagnóstico.

Mesmo que se debilitem os meios que permitem a travessia, continuarão intactas as razões por trás do fluxo migratório. O contingente de viajantes é formado principalmente por quem foge dos horrores da guerra na Síria, da repressão política na Eritreia e da pobreza da África subsaariana.

Dados esses impulsos, não soa realista imaginar que tanta gente (mais de 200 mil pessoas tentaram a viagem em 2014) desistirá do percurso devido aos novos obstáculos.

Para ficar no exemplo mais chocante, a Líbia abriga hoje entre 500 mil e 1 milhão de pessoas aguardando o momento de emigrar, segundo a agência de segurança de fronteiras da União Europeia. Enquanto persistir a instabilidade institucional no país –de onde partem cerca de 90% dos imigrantes–, estarão mantidos os estímulos para o contrabando pelo Mediterrâneo.

Não será surpresa, portanto, se a operação europeia, naturalmente a contragosto de seus proponentes, tornar ainda mais abjeta a situação dos imigrantes. Com o cerco se fechando sobre as principais rotas, a tendência é o aumento da procura por caminhos alternativos, mais remotos e arriscados.


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