Folha de S. Paulo


Editorial: Interesses convergentes

A visita do primeiro-ministro da China ao Brasil, ocorrida na semana passada, tem o potencial de proporcionar um salto de qualidade na relação econômica entre os dois países.

A comitiva chinesa trouxe números para impressionar –e convém, justamente por isso, manter razoável ceticismo a respeito deles. Assinaram-se 35 acordos de intenções nas áreas de planejamento, infraestrutura, comércio, energia e mineração, entre outras. Prometem-se ao menos US$ 53 bilhões em novos recursos para o Brasil.

Há de tudo um pouco, desde compromissos efetivos para a comercialização de navios da Vale e aviões da Embraer até estudos de viabilidade ainda a serem iniciados –como o da ferrovia que ligaria o Centro-Oeste ao Pacífico–, além de maior abertura do mercado chinês a produtos brasileiros.

O destaque fica por conta da infraestrutura, setor em que Brasil e China têm notável complementaridade tanto no que tange às competências quanto no que respeita ao momento político e econômico favorável a uma aproximação.

Do lado chinês, há interesse em ir além do tradicional acesso a matérias-primas. O país passa por uma transição de modelo; investimentos em transportes e engenharia civil ocuparão papel menor na dinâmica doméstica, razão pela qual se torna imperativo dar vazão à enorme capacidade instalada do segmento.

Entre as maiores empresas de equipamento ferroviário do mundo, por exemplo, estão as chinesas, e elas precisam exportar.

O Brasil tem necessidade oposta. Precisa encontrar um novo vetor de crescimento baseado no investimento, e o barateamento da logística é item fundamental. Ocorre, contudo, que não dispõe de dinheiro suficiente para tanto –o inchaço do BNDES e a falta de mercado de capitais de longo prazo impõem o uso da poupança externa.

O desafio é negociar bem e maximizar o interesse nacional a partir desses pontos de convergência.

Um exemplo está no transporte ferroviário. O Brasil não pode se contentar em ser mero depositário do excesso de capacidade chinesa. Deve reivindicar contrapartidas de transferência de tecnologia e criação de empregos locais. Deve buscar, em essência, paridade com a prática consagrada na China para aceitar abrir seu mercado.

Quanto às obras de infraestrutura, os obstáculos a serem removidos são sobretudo locais. Não é o caso, naturalmente, de dar condições privilegiadas aos chineses nas licitações nem descurar das boas iniciativas de proteção ambiental.

Mas o Brasil precisa simplificar o processo, dar celeridade e qualidade aos projetos técnicos e às exigências de órgãos de controle. Em suma, destravar as históricas amarras que impedem o desenvolvimento nacional.


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