Folha de S. Paulo


Editorial: Shopping parlamentar

É certo que nenhum político sobrevive se não tiver alguma sede pelo poder. Mesmo essa característica, porém, se divide desigualmente entre os que se dedicam às atividades legislativas e de governo. Poucos a manifestam com mais ênfase, no contexto atual, do que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Ainda que possam merecer reserva as suas motivações pessoais ou ideológicas, o fato é que as expressa com vigor desde que ascendeu ao cargo, dando a este dimensões de combatividade e de potencial perturbação que seus antecessores, mais tímidos ou bem contentados, não deixavam entrever.

A "virtù" maquiaveliana de Eduardo Cunha –entenda-se o termo não em sua conotação moral, mas pelo que significa de impetuosidade e clareza de objetivos políticos– naturalmente se confirma quanto mais parece faltar nas paragens do Poder Executivo.

Não é necessário recorrer a Maquiavel, entretanto, para dizer que todo príncipe –ou, vá lá, todo "condottiero"– ambiciona ter o seu palácio. Quanto a isso, Cunha não perdeu tempo, embora seja inegável que sua iniciativa chega em péssima hora.

O deputado há de argumentar que o projeto de ampliar as instalações da Câmara, com novos gabinetes, vagas de estacionamento e até a construção de um shopping center, fazia parte de suas promessas de campanha, na qual pleiteou o cargo que ora ocupa.

Já constitui aspecto lamentável que, numa eleição entre representantes da população, tal gênero de promessas circule e proporcione resultados. De que mais precisam os deputados? Chafarizes, ambulâncias? Dentaduras, mortadelas?

Quiseram um shopping, e o presidente da Câmara pôs mãos à obra. O momento coincide, contudo, com o de um extremo aperto nas contas públicas. Votam-se, com os debates inevitáveis e as resistências que se conhecem, cortes em benefícios sociais e o fim de isenções tributárias.

Numa perversidade especial de arquitetura legislativa, inseriu-se o shopping de Cunha no interior de uma medida provisória destinada a aumentar impostos sobre produtos importados.

Diga-se que vários deputados tentaram derrubar a aberração. Do PSOL ao PSC, procurou-se colocar em destaque, para votação em separado, o projeto de Cunha.

Mestre no uso do regimento, o presidente da Câmara conseguiu a princípio evitar que a matéria fosse examinada isoladamente; mais tarde, cedeu. Talvez sem surpresa, verificou que a maioria de seus pares, afinal, concordava com o projeto –cabendo a PT, PSDB e alguns poucos a honra de terem sido derrotados pelo fisiologismo dominante.

Virá o shopping, portanto. Talvez os correligionários de Eduardo Cunha possam abrir lá mesmo suas tendas em que comercializam cargos e vantagens.


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