Folha de S. Paulo


Editorial: Fogo amigo

A Prefeitura de São Paulo, comandada pelo petista Fernando Haddad, tenta na Justiça obrigar o governo da presidente Dilma Rousseff, do mesmo PT, a conceder descontos nas prestações e no total da dívida do município com a União.

Uma lei patrocinada pelo Planalto e sancionada pela presidente em 25 de novembro de 2014 autoriza a União –mas não a obriga explicitamente– a oferecer abatimentos a Estados e municípios.

Pouco mais de um mês após a sanção, o governo federal, presidido pela mesma Dilma Rousseff, mudou de ideia a respeito da conveniência da lei, a qual pode privá-lo de recursos em tempos de penúria.

A escassez, porém, era óbvia pelo menos desde o princípio de 2014. A exaustão financeira, de resto, foi provocada pela própria imprudência do primeiro mandato de Dilma.

Ou seja, esse tumulto –mais um– resulta da imprevidência e da inépcia do governo no trato dos recursos públicos e na condução de suas relações políticas.

Dada a recusa federal de autorizar os descontos da dívida, o Congresso ameaçou decretar a implementação da lei, no que se transformou em nova escaramuça entre Executivo e Legislativo.

A crise parecia em boa hora atenuada por um acerto entre o Ministério da Fazenda e os congressistas; adiava-se para 2016 o começo do abatimento das prestações devidas à União.

Não mais, contudo. A negociação agora pode desandar devido à atitude de Haddad, pressionado pela baixa de receitas, como tantos governantes, e particularmente estressado pela irrisória aprovação popular (20%). Outras prefeituras ameaçam imitar a paulistana.

Trata-se aqui das dívidas renegociadas e assumidas pela União no final dos anos 1990, no âmbito de um pacto de saneamento financeiro que também resultou na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Pelo acordo, Estados e municípios livravam-se de dívidas caras e deveriam liquidar o débito em parcelas reajustadas em termos vantajosos pelas condições da época.

Dada a melhora relativa da situação do país e a decorrente queda da taxa de juros, Estados e municípios passaram a se bater por uma renegociação dos contratos –iniciativa em tese proibida pela lei de 2000, que entre outras determinações impõe limites e normas ao endividamento do setor público.

Debates jurídicos e econômicos à parte, o que mais ressalta do imbróglio é o efeito resultante da incapacidade da presidente de tomar providências dotadas de mínima coerência e de prever as consequências de seus atos mesmo no futuro imediato. Não surpreende que até aliados alimentem a crise política do governo Dilma Rousseff.


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