Folha de S. Paulo


Editorial: Chile em crise

Michelle Bachelet elegeu-se para seu segundo período como presidente do Chile com a promessa de reformar o modelo educacional, o sistema tributário e a própria Constituição do país. Passado um ano da posse, contudo, a ambiciosa agenda está ameaçada por uma crise sem igual desde o fim da ditadura, em 1990.

Implicando partidos da direita à esquerda e atingindo inclusive o filho da mandatária chilena, uma série de escândalos de corrupção paralisou o governo Bachelet.

As turbulências começaram no final do ano passado, quando pelo menos dez membros da União Democrática Independente, principal legenda da oposição, viram-se investigados pelo suposto recebimento de doações eleitorais ilegais.

Meses depois, outros dois escândalos tornaram-se públicos. No primeiro, o filho da presidente é acusado de ter facilitado um empréstimo milionário do Banco do Chile para a empresa de sua mulher -o equivalente a cerca de R$ 30 milhões foram liberados um dia depois da eleição de Bachelet.

No outro, a SQM, uma gigante do setor químico, teria negociado vantagens em troca do financiamento de campanhas de políticos, muitos deles pertencentes à coalização centro-esquerdista no poder.

Graves em si mesmos, os casos tiveram o efeito de um terremoto sobre a sociedade chilena. Uma folgada maioria dos 18 milhões de habitantes acostumou-se a considerar o país pouco corrupto.

De janeiro a março, a desaprovação do governo subiu dez pontos, atingindo 52%; as preferências não se deslocaram para a oposição, cujo apoio (11%) está num dos patamares mais baixos da história. Além disso, saltou de 4% para 26% a fatia dos que consideram a corrupção o maior problema do país.

Diante dessa crise, dificilmente Bachelet terá condições de conduzir as reformas que prometeu.

Estão em jogo mudanças profundas na educação, em especial a implantação da gratuidade no ensino superior (todas as universidades do país são pagas). Tais modificações seriam financiadas por um aumento da arrecadação, fruto de uma reforma tributária.

Por fim, Michelle Bachelet pretende promulgar uma nova Constituição, já que a atual é herança da ditadura de Augusto Pinochet.

Trata-se de agenda complexa mesmo em circunstâncias normais. No atual contexto, talvez beire o impossível -além de contornar os escândalos de corrupção, a presidente precisará lidar com uma economia que, tendo crescido à média anual de 5,3% de 2010 a 2013, desacelerou para 1,9% em 2014.


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