Folha de S. Paulo


Adolfo Sachsida: O verdadeiro ajuste fiscal e uma pergunta a Levy

O governo diz estar adotando medidas duras para realizar o ajuste fiscal que produzirá um superávit primário de 1,2% do PIB ao final desse ano. Tal como já foi demonstrado pelo economista Mansueto Almeida 85% do ajuste virá por meio do aumento de impostos. Assim, temos a primeira perna do ajuste fiscal: aumento de impostos.

Segundo o ministro da Fazenda o governo também irá reduzir os gastos públicos. Será mesmo? Até o momento ainda não surgiu na imprensa uma questão óbvia: boa parte do ajuste fiscal do governo resume-se a atrasar pagamentos. Por exemplo, quando o governo deixa de pagar funcionários terceirizados isso não reduziu o gasto público, apenas fez-se uma maquiagem contábil.

Atrasar pagamentos é maquiar as contas públicas, é apenas uma versão mais refinada da velha "contabilidade criativa" que caracterizou a equipe econômica anterior. No futuro essa conta terá que ser paga, e o pior: será acrescida de juros e multas contratuais. Resumindo, é bem provável que esse corte de gastos custe mais caro que o gasto em si.

A verdade é que a segunda perna do ajuste fiscal não virá da redução de gastos públicos, virá da inflação. Uma inflação anual ao redor de 8% é uma ajuda e tanto para as contas públicas. Isto ocorre pois o valor arrecadado com impostos aumenta nominalmente com a inflação, mas o mesmo não ocorre com as contas públicas.

Por exemplo, quando o preço de um produto industrializado aumenta a arrecadação de IPI também aumenta (mesmo que apenas em valores nominais). Contudo, uma parte expressiva dos gastos públicos (tal como a folha de pagamento) permanece inalterada.

Aumento de impostos e inflação, esse é o verdadeiro ajuste fiscal de Levy. Para concluir tenho uma pergunta honesta ao ministro: por que não foi aumentada a Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) das empresas do setor financeiro?

Veja, sou contrário ao aumento de impostos, sou contrário ao aumento da CSLL, afinal nossa carga tributária já é demasiadamente elevada. Contudo, dado que o ministro quer aumentar impostos, me escapa o motivo da CSLL das empresas do setor financeiro ter ficado de fora.

Afinal, essa contribuição pode ser aumentada por medida provisória, tem arrecadação elevada, é fácil de ser coletada, e incide sobre um setor que esta tendo um lucro expressivo nos últimos anos. Claro que tal imposto é ruim para a economia, eu mesmo sou contra impostos sobre o setor financeiro, mas quem aumenta a Cofins certamente não deve estar muito preocupado com a distorção gerada por um imposto.

ADOLFO SACHSIDA é doutor em Economia. É autor de "Fatores Determinantes da Riqueza de uma Nação" (ed. Interciência)

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