Folha de S. Paulo


Editorial: Nuclear e pacífico

Anunciado na quinta-feira (2), o acordo nuclear entre Irã, Estados Unidos e mais cinco potências globais merece ser classificado como "histórico", como fez o presidente americano Barack Obama.

O documento, cuja meta é afastar Teerã do desenvolvimento da bomba atômica, poderá encerrar de modo pacífico um dos maiores focos de tensão do Oriente Médio e alterar de modo expressivo a geopolítica da região.

Verdade que o pacto ainda é preliminar, com vários itens a serem definidos até a assinatura do texto final, marcada para junho. Mas o otimismo se apoia em especial no resultado das negociações na Suíça: os termos acertados foram além do que se esperava, tanto nos detalhes como no alcance.

Os dispositivos do tratado buscam assegurar que o Irã persiga apenas fins pacíficos com seu programa nuclear. Além disso, tentam garantir que, caso o país trapaceie, demore no mínimo um ano para desenvolver a bomba, tempo que a comunidade internacional teria para adotar ações preventivas.

O governo iraniano aceitou cortar em cerca de dois terços o número de suas centrífugas. Com um número menor desses aparelhos utilizados para enriquecer urânio, o país terá muito menos capacidade de produzir o combustível que alimenta uma arma nuclear.

O Irã, ademais, se comprometeu a, nos próximos 15 anos, enriquecer o urânio até 3,67%, concentração suficiente para produzir energia, mas bastante abaixo do necessário para uma bomba (90%).

Pelo acordo, também serão desmantelados complexos atômicos e instituído um rigoroso monitoramento internacional por 25 anos.

Em troca do cumprimento dessas diretrizes, EUA, União Europeia e ONU retirarão de forma gradual as sanções impostas ao Irã, normalizando suas relações com a comunidade internacional e reintegrando-o à economia global.

Obama mostra-se determinado a fazer deste um de seus principais legados na política externa. Para isso, contudo, terá de superar a oposição do Partido Republicano –disposto a criar empecilhos à derrubada das sanções pelo Congresso americano– e de Israel.

O mais importante aliado dos EUA no Oriente Médio sustenta que o pacto não elimina a ameaça nuclear iraniana. Talvez temendo o provável rearranjo de forças na região, o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, articula-se para minar o acordo.

A despeito das resistências e do muito que ainda precisa ser feito, o passo decisivo está dado numa das áreas mais conturbadas do planeta. Uma demonstração alvissareira de que os canais diplomáticos e os fóruns multilaterais não foram desacreditados pelos numerosos conflitos das últimas décadas.


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