Folha de S. Paulo


Editorial: O preço do show

Causam estranheza as variações no preço dos ingressos para o Rock in Rio, registradas em reportagem desta Folha. Os organizadores do célebre festival pretendem cobrar R$ 350 pelo tíquete de admissão, válido para apenas um dia, dentre os sete que compõem o evento.

Não é barato, evidentemente, mas o público se dispõe a gastos dessa monta, julgando-os à altura dos astros que irá ver no palco.

Pouco haveria a opinar sobre o caso, não fosse a circunstância de que, ainda no ano passado, o preço da admissão estava calculado em R$ 260 –e foi com base nessa estimativa que o Ministério da Cultura, em 2014, autorizou que se captassem recursos pela Lei Rouanet.

Meses depois, a produção do Rock in Rio solicitou à pasta o aumento daquele valor, de R$ 260 para R$ 320. Haveria, naturalmente, de esperar o assentimento do governo. Antes disso, porém, desencadeou-se o processo de pré-venda. Em menos de duas horas, 100 mil ingressos foram negociados.

Quando o Ministério da Cultura (MinC) apresentou sua decisão, vetando o preço de R$ 320, já era tarde. O Rock in Rio chega agora a uma nova quantia de R$ 350, de novo sem aval do governo.

Cabe perguntar, sem dúvida, por que o MinC deve acompanhar a política de preços dos organizadores. O evento fica sob o crivo oficial na medida em que consegue apoio de empresas privadas que obtiveram isenção de impostos para patrocinar os shows. No total, 10% dos custos do Rock in Rio serão pagos por meio dessa indulgência fiscal.

O assunto tem-se prestado para intermináveis polêmicas; tentativas de alterar a Lei Rouanet surgem com certa regularidade no noticiário, confrontando-se com o sólido sistema de interesses já construído em torno da legislação.

Tudo parece questionável, entretanto, quando se examina um caso concreto. Faz sentido regular os preços do Rock in Rio, quando seus ingressos se esgotam quase instantaneamente? Não sobreviveria o evento sem auxílio oficial? A verba vinda de impostos, da qual se abre mão, não poderia ser empregada para outros fins?

Na área da cultura, o estímulo estatal deveria voltar-se não para a realização de eventos, e sim para atividades básicas, capazes de abrir caminho a novas frentes de produção: cursos de formação de artistas, escolas especializadas, museus, salas de espetáculo.

Tal critério interessa pouco quando empresas podem usar a isenção tributária para associar seus nomes a eventos de vasto público; a publicidade, mais que o impacto cultural, dá a última palavra.


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