Folha de S. Paulo


Editorial: Nota de crédito

Em meio ao desânimo e à apreensão a respeito do futuro que se disseminam entre os brasileiros, surge um voto de confiança externo.

A empresa americana de classificação de risco Standard & Poor´s (S&P) manteve a nota do país na categoria de investimento seguro (BBB-), ainda que apenas um degrau acima do nível que seria considerado arriscado. Mesmo que já fosse esperada, a decisão chamou a atenção pelo que a agência disse sobre as perspectivas para o Brasil.

A S&P expressou a crença de que o governo e o Congresso manterão o rumo do ajuste das contas públicas, o que reforçará lentamente a confiança de empresários e consumidores e, ao longo do tempo, ajudará a restabelecer o crescimento. Considerou, além disso, uma surpresa positiva a guinada de 180 graus na política econômica.

No ano passado, quando a agência rebaixou a nota do Brasil, a expectativa era a oposta: os erros do primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT) se repetiriam no segundo.

A mudança de rota foi considerada mais relevante do que o agravamento da conjuntura. Recessão, inflação em alta, endividamento público excessivo, risco de racionamento, contágio financeiro ligado à Petrobras e ampliação da incerteza política já eram preocupações desde o ano passado.

Não será fácil resolver nenhum desses problemas, sobretudo no contexto de redução da popularidade presidencial e aumento das escaramuças entre Executivo e Legislativo. A S&P, contudo, ao menos por ora, prefere apostar na força das instituições brasileiras e na capacidade demonstrada no passado de realizar ajustes necessários.

Espera-se, de fato, que as forças políticas não coloquem interesses menores à frente da estabilidade econômica. É desejável que o Congresso debata a dosagem de algumas medidas anunciadas, mas não que crie obstáculos intransponíveis ao conserto das contas.

O ajuste é condição necessária, mas não suficiente. O maior desafio está no médio prazo. Os investimentos devem desempenhar papel preponderante, reforçados pelo aumento da competitividade externa decorrente da desvalorização do real diante do dólar (o que melhora a renda dos exportadores).

Outros pontos são a retomada dos leilões de concessões de infraestrutura, com bons projetos e rentabilidade adequada. Por fim, é necessário sair do imobilismo e trabalhar pela simplificação dos impostos que mais oneram a produção (PIS/Cofins e ICMS).

É fundamental separar a disputa política da agenda necessária para o país sair do atoleiro. A economia brasileira poderá surpreender mais uma vez se houver clareza quanto aos rumos a serem seguidos.


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