Folha de S. Paulo


Roberto Livianu: A impunidade não está à venda

Sem entrar no mérito da quantidade de pessoas presentes nas ruas no Brasil e mundo afora nem no perfil social, econômico e político delas, é unânime que o principal grito ouvido no último domingo (15) foi contra a corrupção –recente pesquisa Datafolha prova isso.

Essas manifestações são altamente positivas no mundo contemporâneo individualista em que a invisibilidade do outro e a instantaneidade existencial própria das vivências da modernidade líquida, proposta pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman, conspiram contra o necessário caráter coletivo e solidário da vida em sociedade.

Os protestos são uma retomada da pauta de junho de 2013, que inegavelmente deixou um grande legado ao Brasil. Num plano amplo, é o retorno de um sentimento de amor pelo país, algo que não se manifestava tão vivamente desde o movimento das Diretas-Já.

Num plano concreto, é a reivindicação anticorrupção, determinante para a derrubada da PEC 37, que propunha a limitação do poder de investigação do Ministério Público (MP), e para a aprovação da Lei Anticorrupção. A atitude dos brasileiros em defesa do Ministério Público foi emblemática –seu ícone o abraço ao prédio do MP de São Paulo três dias antes da votação da Proposta de Emenda Constitucional, por sugestão do movimento Ministério Público Democrático.

O grau de expectativa social em relação ao combate à corrupção, especialmente por parte do Ministério Público, é alto, sendo inadmissíveis quaisquer iniciativas que possam amesquinhá-lo e diminui-lo ou que pretendam intimidar a instituição em razão das investigações de detentores de poder.

A lei nº 12.846/13, que nasceu para coibir a corrupção empresarial, criou o acordo de leniência e entregou poderes inéditos aos organismos de controle interno do Estado (Controladorias e Corregedorias). Eles estão legitimados a celebrar tais acordos com as empresas envolvidas em corrupção dispostas a admitir responsabilidades, a colaborar e a ressarcir danos.

Não se pode esquecer, no entanto, que tais organismos de controle interno integram o Poder Executivo, que seus chefes ocupam cargos de confiança nos governos a que servem e que a lei nº 12.846/13 não nasceu para a simples salvação de empresas corruptas.

Não se pode dar margem ao oportunismo, permitindo que empresários desonestos comprem legalmente a impunidade nem que cheguem à conclusão de que vale a pena violar a lei para depois se acertar com o governo e se livrar, por exemplo, da pena de proibição de contratar com o poder público.

O Ministério Público é o titular exclusivo da ação penal pública e principal legitimado pela Constituição Federal a defender com independência o patrimônio público. Por isso, os acordos de leniência jamais poderão se prestar a frustrar ardilosamente investigações e ações penais e civis públicas do MP. Os acordos precisam de legitimidade.

De forma acertada e sintonizada com o interesse público, o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) protocolou no dia 10 deste mês o projeto de lei nº 105/15, que propõe vital modificação na lei que pretende coibir a corrupção empresarial, exigindo a homologação do acordo de leniência pelo Ministério Público, medida que o governo não incluiu no decreto de regulamentação da lei nem no pacote anticorrupção.

Acordos de leniência são bons, desde que a concretude da lei nº 12.846/13 não se desvie de sua original razão de ser –a efetiva punição da corrupção.

ROBERTO LIVIANU, 46, doutor em direito pela USP, é promotor de Justiça em São Paulo e presidente do Movimento do Ministério Público Democrático. É autor do livro "Corrupção - Incluindo a Nova Lei Anticorrupção" (editora Quartier Latin)

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