Folha de S. Paulo


Renato Júdice de Andrade: Enem de papel não faz mais sentido em um mundo digital

A proposta do ministro da Educação Cid Gomes de criar uma prova online do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) segue uma tendência mundial. Vivemos em um mundo cada vez mais digital, no qual não há sentido em manter a dinâmica atualmente utilizada na maior parte dos processos de avaliação realizados no Brasil.

Hoje, é preciso imprimir provas, organizar materiais de aplicação em malotes, distribuir, retornar material e processar cartões-resposta. Uma logística insana, especialmente, num país de dimensões continentais como o nosso.

Transpor a aplicação do papel para o computador tem algumas vantagens: corte dos custos de impressão e distribuição das provas, redução do tempo necessário para a organização de uma avaliação, processamento mais rápido dos resultados e possibilidade de realizar a aplicação de forma agendada.

Além disso, a aplicação de provas utilizando o computador possibilita outros avanços, a exemplo do uso de itens (questões) interativos e a adoção de testagem adaptativa (Computarized Adaptive Testing - CAT), na qual a prova de cada aluno é construída de forma personalizada, dependendo das respostas a cada questão. Com isso, tende-se a ter testes mais prazerosos, mais curtos e precisos.

A implantação da prova no computador no Brasil deve provavelmente ocorrer em duas etapas. Na primeira, haverá apenas uma transposição da aplicação do papel para a máquina. Nesse caso, a prova continua sendo previamente elaborada, não adaptativa.

Para a realização dessa transição ainda é preciso desenhar e construir a estrutura logística: centros aplicadores, sistemas, computadores, segurança. Sim, segurança! Afinal, a busca por fraudar os exames e avaliações ainda persistirá e deve ser muito bem considerada.

Numa segunda etapa, haverá a utilização de itens interativos e das testagens adaptativas. Para a execução dessa outra fase, será preciso investir na construção de um banco de itens robusto. O ministro estimou entre 40 mil e 80 mil o número necessário de itens.

Duas mudanças culturais precisarão ainda ser vencidas. Em primeiro lugar, o aluno não poderá mais levar o caderno de provas para casa. Será ótimo, porque possibilitará a reutilização de questões, o que diminuirá custos. Em outros países, como México e Estados Unidos, isso já ocorre. Por outro lado, os alunos e as escolas ainda não estão acostumados com essa proposta.

O segundo obstáculo é a necessidade de mudança na concepção de que só se pode selecionar candidatos que fizerem provas idênticas. A testagem adaptativa tem como princípio a construção de uma prova mais adequada para o nível de proficiência do avaliado. Nesse sentido, os candidatos terão provas diferentes, mas a medida de avaliação será mais precisa.

É mais do que necessário investir em aplicações de provas no computador e, sobretudo, avançar em metodologias mais precisas. Os resultados de exames têm impactos significativos na vida de pessoas e na sociedade como um todo. Por isso, esses resultados precisam ser confiáveis. E garantir essa confiabilidade é um dos desafios elementares do Enem.

RENATO JÚDICE DE ANDRADE é diretor da área de educação da empresa Geekie, já prestou consultoria ao Ministério da Educação e suas secretarias, foi diretor acadêmico do Sistema UNO de Ensino, gerente de avaliação da Avalia Educacional, diretor da Associação Brasileira de Avaliação Educacional - Abave, além de acumular vasta experiência acadêmica como coordenador e professor em escolas de Educação Básica. É doutor e mestre em educação e graduado em física pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

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