Folha de S. Paulo


Eduardo Bontempo: Maturidade no uso de recursos e personalização em tecnologia

Crianças e adolescentes de 8 a 18 anos gastam, por ano, duas vezes mais tempo diante de telas (de televisão, computador, smartphone etc.) do que na escola. Dados como esse estão na raiz da crise que vem chacoalhando o sistema de ensino: o professor está lá na sala, o conteúdo também, só o aluno, capturado pela revolução digital, é que não.

Apesar de a velocidade da resposta ao desafio não ter sido a ideal, a década de 2010 será lembrada como a época em que tecnologia e educação passaram a andar juntas. O sucesso dos cursos on-line abertos e massivos (os chamados "MOOCs") das universidades americanas, do fenômeno Salman Khan (Khan Academy), do uso de equipamentos como tablets na sala de aula e de milhares de aplicativos educacionais nos dão a certeza de que nada voltará a ser como antes.

Quando bem utilizada, a tecnologia poupa tempo e permite a concentração no que é essencial. Não faz sentido, na primeira década do século 21, um professor perder tempo escrevendo na lousa um conteúdo que poderia estar disponível no tablet ou gastar energia com longas exposições orais. Em vez disso, ele pode discutir com a classe as linhas gerais do conteúdo e colocar os temas em contexto, algo que computadores, pelo menos os convencionais, não conseguem fazer.

No caso dos alunos, a atualização tecnológica aproxima o ensino do seu cotidiano. A escola deixa de ser o lugar onde eles se desconectam do mundo. Essa mudança traz benefícios não só no aspecto acadêmico: pesquisas nos Estados Unidos vêm mostrando que estudantes com acesso a tecnologia tiveram ganhos não só no desempenho em matemática e em inglês, mas também em autoestima e motivação.

As possibilidades abertas pela adoção da tecnologia vão bem além - e na contramão dos que enxergam nos novos recursos um fator de padronização do ensino. Uma das principais tendências do setor é a da personalização. Por ela, graças ao apoio de plataformas digitais, cada aluno tem autonomia para aprender no seu próprio ritmo. Nas disciplinas com as quais tem mais afinidade ele terá acesso a conteúdos mais complexos que os da média da classe. Naquelas em que tem mais dificuldade, vai estudar coisas que a maioria dos colegas já viu antes, sem que isso signifique prejuízo no aprendizado.

No processo de personalização o professor tem papel fundamental. Ele se torna, mais do que um entregador de conteúdo, um mentor do aprendizado, desenvolvendo uma relação muito mais próxima com o aluno. As plataformas de personalização também têm impacto na rotina dos diretores, porque lhes permite saber exatamente em que pé está o desempenho dos alunos de toda a escola.

Dois resultados demonstram o poder do ensino personalizado. Na preparação para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) na plataforma da Geekie, os estudantes realizam simulados no início do ano e perto do exame. Com base no desempenho no primeiro teste, eles recebem indicações de aulas em vídeo para fazerem progresso nos seus pontos fracos. Em 2014, a cada aula assistida, os alunos registraram melhora de 1,6 ponto na média do segundo simulado, que teve perfil de questões e grau de dificuldade equivalentes aos do Enem.

A plataforma da Geekie também é empregada para nivelar o desempenho de estudantes que entram em instituições de ensino superior com lacunas na formação do ensino médio. Em um piloto com o Grupo Ânima, alunos que durante seis semanas dedicaram pelo menos quatro horas semanais ao estudo do conteúdo em vídeo tiveram um ganho de 30% no aprendizado.

Desde que tenha bases realistas e foco pedagógico, o entusiasmo com a tecnologia é plenamente justificável, porque esse é um jogo no qual todos, alunos, professores, diretores e a sociedade, saem ganhando. Ainda mais num país como o Brasil, com suas conhecidas limitações no campo da educação. Pela escala que propiciam, os recursos tecnológicos podem ser um poderoso aliado na recuperação de décadas de atraso.

EDUARDO BONTEMPO é cofundador da Geekie, empresa pioneira na oferta de aprendizado adaptativo no Brasil. Formado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas - FGV, cursou MBA no Massachussetts Institute of Technology - MIT e, em 2014, foi escolhido como o inovador do ano pelo MIT Technology Review e empreendedor social pela Fundação Schwab e Folha

*

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


Endereço da página:

Links no texto: