Folha de S. Paulo


Editorial: Triste aniversário

Faz um ano que a Grande São Paulo padece com um racionamento dissimulado de água, na forma de interrupções temporárias do fornecimento a certas áreas por meio da redução de pressão na rede distribuidora. Nem por isso o imprescindível sentido de urgência se impôs às autoridades públicas.

A Sabesp estima que 200 mil moradores sofram os efeitos mais drásticos da medida, com falta de água constante. Milhões, porém, deparam-se com torneiras secas de maneira intermitente: 71% dos paulistanos relataram ao Datafolha, em fevereiro, ter ficado sem água ao menos uma vez no mês anterior.

É como se as agruras vividas por essas pessoas não tivessem importância, a julgar pelo comportamento recente de alguns políticos.

As atitudes do governador Geraldo Alckmin (PSDB) são conhecidas. Minimizou a existência da crise até as eleições, e sua administração sonegou informações de forma reiterada. A redução da pressão, por exemplo, só veio a público em abril, semanas depois de começada, por iniciativa da imprensa.

Passados dez meses, descobre-se que a providência nem sequer cumpre a norma técnica que manda garantir pressão mínima na rede de dez metros de coluna de água. A Sabesp chega a reduzi-la para um metro de coluna, insuficiente para encher reservatórios domiciliares.

Alguns vereadores paulistanos não quiseram ficar atrás em matéria de imprevidência e descaso. A bancada petista na Câmara Municipal retirou seu apoio a um projeto que institui multa a quem desperdiçar água –manobra para preservar o prefeito Fernando Haddad (PT) dos efeitos eleitorais da medida.

Apesar da gravidade da crise, retorna-se à estaca zero da polarização entre petistas e tucanos, como se evidencia na frase reveladora do vereador Paulo Reis (PT): "É uma coisa deles [do governo estadual], e estamos trazendo o problema para a Câmara".

Após um janeiro de estorricar, fevereiro trouxe 60% mais chuvas que a média do mês sobre os principais reservatórios da Grande São Paulo (Cantareira e Alto Tietê). Foi o quanto bastou para que o escasso senso de responsabilidade nos gabinetes se esvaísse como chuva no fundo gretado das represas.

O nível do Cantareira tem subido e chegou a 11,7% –mas só porque se contam duas cotas de volume morto. Na realidade, a estação seca se aproxima, e o principal sistema de abastecimento da região está abaixo do volume útil original.

Um ano depois, a metrópole ainda depende mais dos céus do que de seus governantes para escapar do trauma de um rodízio.


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