Folha de S. Paulo


Editorial: Ponte nada pontual

Atrasos na execução de obras se tornaram um deplorável hábito da administração pública brasileira.

Os obstáculos que separam as intenções da realidade vão desde prazos irreais, pois amparados em projetos precários e mal fundamentados, até dificuldades na liberação de verbas, passando por licenciamentos ambientais lastreados em informações incompletas.

Dado, entretanto, que cada empreendimento possui especificidades próprias e condicionantes locais, torna-se muitas vezes difícil avaliar a justeza das razões alegadas para a extensão dos prazos.

Constitui oportunidade única, assim, observar os desdobramentos da construção de uma ponte binacional no extremo norte do Brasil.

Única ligação entre o Oiapoque, no Amapá, e Saint Georges de l'Oyapock, na Guiana Francesa, a obra de 378 metros –orçada em R$ 61 milhões e bancada por Brasil e França– deveria formar um inusitado corredor entre a América do Sul e a Europa. Concluída desde 2011, não possui, todavia, previsão para ser inaugurada.

O traçado continua bloqueado porque o governo brasileiro não cumpriu sua parte do acordo: concluir o complexo aduaneiro, com postos da Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal, Ibama e Anvisa, e a extensão da rodovia BR-156 até a ponte. Já a França consumou suas obrigações ainda em 2011, entregando a estrutura viária e aduaneira do seu lado da fronteira.

Território ultramarino francês, a Guiana Francesa ocupa uma área pouco menor que o Estado de Santa Catarina e possui uma população de cerca de 250 mil habitantes. Sua economia é baseada sobretudo na pesca e na extração de ouro.

A ligação com o Brasil foi idealizada ainda nos anos 1990 como uma rota comercial terrestre entre o Mercosul e a União Europeia.

Para o Estado do Amapá, representaria oportunidade de exportar produtos agrícolas e pecuários indisponíveis no território vizinho.

Mais importante, a conexão poderia incrementar o intercâmbio científico e tecnológico entre os dois países. A Guiana Francesa abriga o Centro Espacial de Kourou, principal base de lançamentos da Agência Espacial Europeia.

A inauguração da ponte chegou a ser agendada para o final de 2013. Agora, o governo do Amapá afirma que as obras poderão ser entregues no final de 2015. A prudência, porém, recomenda ceticismo em relação ao calendário.

De previsível no episódio, há apenas o atraso brasileiro, ainda mais vexaminoso dada a eficiência –ou seria apenas o simples respeito a prazos e metas?– francesa.


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