Folha de S. Paulo


Fernando Itokazu: Meu futuro, nossa empresa

Não é raro conhecermos a história de um aposentado que não consegue se manter independente financeiramente sem continuar trabalhando ou sem receber ajuda da família.

Somem-se a essa circunstância frases como "Uma sangria desatada e não contida" e "A quebradeira é certa nos próximos anos" de ministros do TCU após auditoria, no fim de 2014, na qual foi recomendado ao governo rever a política de deficit da previdência.

Não faltam indícios de que é temerário confiar na capacidade do governo de garantir a aposentadoria dos contribuintes. A opção que este assalariado vislumbrou para, aposentado, tentar não se tornar um estorvo para a filha foi o mercado acionário.

Logo se imaginou na pele do personagem de Charlie Sheen em "Wall Street - Poder e Cobiça". Não parecia tão complicado: nem precisaria se "sujar", como o jovem ambicioso do filme de Oliver Stone, afinal, bastava comprar na baixa e vender na alta, mas a coisa não era tão simples.

"Você faz igual a todo mundo que se dá mal e quer um resultado diferente? Quem você pensa que é? O Escolhido?" Depois da bronca de um orientador financeiro, decidiu estudar o tema para além do "day trade" –as sedutoras operações de compra e venda de uma ação no mesmo dia.

Passou a ver este mercado como instrumento para formar patrimônio, não como atalho para o enriquecimento rápido e certeiro, imagem que emana da Bolsa –pelo menos, para muitos "sardinhas" (pequenos investidores).

No início de 2010, a Bovespa pretendia aumentar seus pouco mais de 500 mil clientes individuais de pequeno porte para 5 milhões até 2015.

O clima de euforia justificava o otimismo. No fim de 2010, Lula encerrava seus oito anos de governo como o presidente com o período mais longevo de exuberância no Ibovespa, com ganho real de 295%.

O cenário agora é outro. A Petrobras já não tem o grau de investimento, e os trabalhadores com parte de seus recursos do FGTS no fundo que investe em projetos de infraestrutura se assustam ao saber que mais de R$ 11 bilhões estão em empresas citadas na Lava Jato.

Com isso, o número de CPFs cadastrados nas corretoras ainda patina em torno dos 500 mil. Nos EUA, onde os juros pagos pelos títulos públicos são muito mais baixos do que aqui, investidores somam cerca de 50% da população.

Mesmo com diversificação e disposição para acompanhar os fundamentos das empresas escolhidas, para tentar saber quando deixar o barco, se preciso, o risco de tombos existe.

Apesar disso, gosto de saber que posso ser dono de um pedaço de companhias lucrativas, com boa governança, e que todo mês posso ter mais um naco delas. Talvez minha filha siga o mesmo caminho: "Olha lá, Sofia, estão usando produtos da nossa empresa".


FERNANDO ITOKAZU é editor do Painel do Leitor


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