Folha de S. Paulo


Carlos Magno: Nada cai do céu

O racionamento a que pode ser submetida boa parte da população paulistana –e de outras cidades e Estados brasileiros– poderia ser evitado? A questão é muito mais complexa do que possa parecer e jamais deveria ser levada ao campo do flá-flu político. Afinal, todos que vivemos nessas áreas já somos e seremos ainda mais afetados.

O calor bate recordes no mundo. Dados recentes da Nasa e da Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa, sigla para o nome em inglês do órgão) apontam 2014 como o ano mais quente da história. A temperatura média no solo e nos oceanos aumentou 0,69 grau, superando recordes anteriores. Parece pouco, mas não é.

A cada 20 ou 30 anos, em média, o oceano Pacífico, a maior massa de água do planeta, sofre variações de temperatura, ficando mais quente ou mais frio do que o normal. Essas oscilações de longo período interferem nos ventos, na chuva e na temperatura em muitas regiões do globo. No Brasil, diversos Estados já sentem os impactos dessa alteração climática.

O verão passado foi um dos mais secos e quentes da história, não apenas na região da capital paulista e seu entorno mas também em grande parte do Sudeste, especialmente em Minas Gerais e no vale do Piracicaba, de onde vem a maior parte da água que abastece a região metropolitana de São Paulo, por meio do sistema Cantareira. Áreas dessa região chegaram a registrar anomalias de até 5 graus nas temperaturas máximas em janeiro de 2014.

Com pouca água e maior consumo, devido ao calor, os rios e represas que abastecem o sistema caíram aos menores níveis já registrados. Em São Paulo, por exemplo, desde 2012 o Cantareira vem sofrendo com chuva abaixo do normal. Nem mesmo as chuvas de fevereiro, que elevaram o nível dos reservatórios, são ainda suficientes para mudar o quadro de seca.

E as previsões não são as melhores. Segundo estudo da Climatempo, somente no verão de 2017 é que se poderá esperar por uma chuva normal ou acima da média, que vá colaborar para uma consistente recuperação do sistema.

Reverter a situação é um desafio. Trata-se de algo muito mais educativo do que meteorológico ou de obras faraônicas –que, se agora são necessárias, deveriam ter sido planejadas há pelo menos dez anos.
Desde o final de 2013, meteorologistas têm alertado sobre esse cenário crítico. Já se sabe que o quadro não é favorável, e há poucas chances de mudança em curto prazo.

Porém, em um planeta onde 1,4 bilhão de quilômetros cúbicos é ocupado por água, o ser humano ainda parece acreditar que ela nunca irá acabar.

Com ou sem chuva à vista, a população precisa entender que a água pode –e vai– acabar se não forem tomadas medidas preventivas. A conscientização sobre o consumo deve ser permanente.

Optar pelo reúso pode ser uma das soluções. Aliás, a ideia de cobrar uma sobretaxa para aqueles que consumirem mais água do que o normal nesse período está entre as boas medidas já tomadas –tão boa quanto os descontos anunciados desde o ano passado para quem economiza água.

Em São Paulo, a despoluição dos rios Tietê e Pinheiros também é um caminho. Mas esse parece ser um cenário utópico, sobretudo se lembrarmos que a ideia é citada há décadas pelo poder público.

O que nossas autoridades precisam entender é que não dá para passar uma vida acreditando na ajuda divina. É preciso arregaçar as mangas e se preparar. Há ainda muito a fazer e a investir. Porque nada cai do céu –nem mesmo a água tem caído ultimamente.

CARLOS MAGNO, 53, é meteorologista e presidente da Climatempo Meteorologia

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