Imbuído do espírito de Antonio Di Pietro, que comandou a Operação Mãos Limpas na Itália nos anos 1990, o juiz Sérgio Moro e sua Operação Lava Jato, mais do que passar o Brasil a limpo, pode involuntariamente pavimentar o caminho de um Silvio Berlusconi tupiniquim ao Planalto.
Da mesma forma que a descrença nos políticos e partidos tradicionais levou os italianos a eleger primeiro-ministro o histriônico showman e bilionário da mídia, por aqui a prisão de políticos e empresários corruptos também deve implodir um sistema político, com consequências ainda não dimensionadas para o país.
Qual é o efeito colateral da bem-vinda limpeza nas práticas políticas e do fim do "propinoduto" que alimenta partidos e políticos? Os brasileiros, que já elegeram de rinoceronte a palhaço, podem embarcar numa canoa furada, como a Forza Itália de Berlusconi, para escapar do "mar de lama"?
Na faxina italiana, desapareceram a Democracia Cristã, de Giulio Andreotti, e o Partido Socialista, de Betino Craxi. Com as 3.000 ordens de prisão contra políticos e empresários foi-se a Primeira República.
Por aqui, o alcance da "Mani Pulite" de Sergio Moro prenuncia terra arrasada para o PT, de Lula e Dilma, mas também para o PSDB, de FHC e companhia. O arrastão deve levar ainda o onipotente PMDB, de Michel Temer (na situação) e Eduardo Cunha (na oposição), sempre vendendo caro o "apoio" no Congresso.
É nesse limbo que os Berlusconi se apresentam na arena pública. A Itália demonstra que "não políticos" podem ser tão nefastos quanto maus profissionais da política. Vide os estragos deixados pelo premiê movido a orgias frequentadas por menores. Apeado do poder, Berlusconi se tornou símbolo do desastre político e econômico que castiga o país.
Espelho que leva a pensar nos riscos da demonização da política. É o discurso fácil de que todos são ladrões que fertiliza o terreno para "salvadores da pátria". Doença sistêmica e em metástase, o câncer da corrupção se alastrou em todos os níveis da administração pública. Resta saber se a quimioterapia Lava Jato poderá mesmo curar o mal maior sem ferir de morte a democracia. São questões que devem ser respondidas para além do flá-flu de qual é o pior e quem é o mais corrupto.
Reforma política não é panaceia, mas é remédio para um paciente terminal, vítima de representantes que rifam mandatos para financiar campanhas e projetos de poder.
Que a Mãos Limpas à brasileira leve à reforma profunda de um sistema alimentado por empreiteiras e afins, donos de "bancadas" que defendem seus interesses e não os do país. E que ao final as opções nas urnas não fiquem restritas a líderes de audiência e justiceiros, homens públicos de ocasião que vendem a ilusão de que vão "salvar a pátria".
Eliane Trindade é editora do Prêmio Empreendedor Social