Folha de S. Paulo


Matheus Magenta: Festina lente

O Carnaval em São Paulo lhe deu saudade da folia baiana. Exausto, só percebeu a lacuna horas após a folia: um motorista baiano de trio elétrico. A principal virtude desse profissional qualificado é se manter alheio à tentação de acelerar em ruas vazias de carros como seus colegas paulistas.

Dirigir em São Paulo significa sofrer com trânsito e rezar por ruas eternamente livres dos 2 milhões de carros que desaparecem em feriados. Como culpar o motorista paulista de trio elétrico que só quer chegar logo? O pé coça pra pisar no acelerador, a mão, para buzinar para folião parado.

A festa vira correria, foliões não sabem se bebem, beijam ou correm atrás do trio elétrico, e os mais lentos viram retardatários como pilotos desconhecidos da Fórmula 1.

Motorista baiano de trio elétrico não quer chegar logo. Curte. Quase precisa ser empurrado. A demora significa mais festa. Segue sem pressa (menos de 1 km/h), como se estivesse numa escada rolante olhando apressados desvirtuarem a engenhoca criada para evitar gasto de energia, não para acelerar passos.

Motorista baiano entende o ritmo carnavalesco. Respeita o folião que quer beber, descansar, dar a volta no trio, voltar dançando, beijar, beber de novo, e mesmo assim não perder de vista o bloco. O cuidado se estende ao folião parado, que quer curtir umas músicas sem precisar deixar o lugar estrategicamente posicionado ao lado da cerveja gelada e do banheiro químico.

Ninguém quer depender de Waze para encontrar bloco apressado. O Tarado ni Você, por exemplo, que toca releituras do baiano Caetano Veloso, nem precisava deixar a esquina de "Sampa", entre a Ipiranga e a São João.

São Paulo faz bem em deixar o Sambódromo de lado para ocupar o espaço público com os blocos. Resta agora aprender a lucrar como Salvador, que gira R$ 500 milhões por ano, e a ter música de qualidade como Olinda. Mas dá pra incorporar essas e outras melhorias sem pressa, Carnaval tem todo ano.

O comércio precisa entender que as lojas da 25 de março não são suficientes para abastecer o mercado de foliões de última hora, ainda meio incrédulos com a possibilidade de pular um bom Carnaval a quatro quadras de casa. E nem precisa alugar roupa de super-herói: bastam cocar indígena, máscara veneziana ou peruca colorida.

Festina lente (significa "apressa-te devagar", mas poderia ser "festinha lenta"). São Paulo pode desacelerar o Carnaval, ser devagar sem ser lerdo e organizado sem ser cartesiano. Folião não precisa correr para completar a cartela de bingo com os blocos do dia, vendedores de cerveja podem dispensar isopores com rodinhas para acompanhá-los e trio elétrico só deve ter horário de partida. O de chegada depende de quanto o motorista protelará até aceitar que todo Carnaval tem seu fim.


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