Folha de S. Paulo


Roberto Dias: A vitória do Carnaval

"Uma noite, quando saiu para admirar a cidade, um barulho ensurdecedor espantou-o. Então notou que as ruas estavam cheias de povo. Automóveis passavam, carregando moças fantasiadas. Loucura geral... Paulo Rigger compreendeu que era o sábado de Carnaval."

Jorge Amado semeou seu primeiro romance no encontro da festa com um intelectual brasileiro que vivia em Paris. Oito décadas depois, o país do Carnaval floresce mais exuberante do que o "O País do Carnaval" descrito pelo baiano.

É provável que o Brasil nunca tenha visto tanta gente nas ruas fazendo a mesma coisa. As projeções apontam recorde de turistas no Rio (quase 1 milhão) e de foliões em São Paulo (2 milhões, o dobro de 2014). O número de blocos paulistanos supera o dos dois últimos anos somados. Os viajantes pelo país, estima o governo, chegarão a 6,8 milhões.

Mas o maior impacto não brota dos superlativos.

Ao transbordar dos sambódromos para as ruas, o Carnaval inundou-se de crianças, muitas egressas de matinês cerradas em clubes, e deu mais um passo na tão discutida ocupação do espaço urbano.

A profusão de blocos não cria só multidões. Eles se capilarizaram em pequenos grupos, alguns com objetivo declarado de integrar vizinhos.

Viciados por anos na cultura de celebridades na Sapucaí, nós jornalistas ainda tateamos uma narrativa desse novo Carnaval que vá além do xixi e do trânsito. Também para a publicidade, a rua é mais desafiadora que o sambódromo.

Muita gente que não foi à rua quebrar metrôs deixou para falar agora. "O Carnaval de rua é o movimento legítimo para também contestar o que não está funcionando na cidade", defendeu uma foliona fantasiada de cisterna em SP.

O vetor econômico da festa é objeto de teses pelo lado positivo (o turismo) e pelo negativo (a queda da produção).

No primeiro aspecto, além dos gasto com viagens, vale notar o efeito da propaganda: tirante violência ou acidentes, o Carnaval produz imagens melhores do que as do San Fermín, a festa espanhola em que touros perseguem humanos.

Já no segundo aspecto, o estrago econômico do Carnaval não chega nem perto do criado pelo Ano Novo Chinês, o recesso que entorta o gráfico da produção mundial de aço.

Barbada mesmo é o front cultural. Nessa época, todo ano, um grupo chamado Sargento Pimenta toca Beatles para mais de 100 mil pessoas, algo que nem os Beatles fizeram.

Mas o maior beneficiário de tudo há de ser o samba, pela vitrine natural da percussão. Em 1979, quando criou o Clube do Samba em sua casa, João Nogueira tinha um objetivo: que as "pessoas que fazem samba possam ser ouvidas". A moda da época eram as discotecas. Hoje em dia, seu quintal não daria conta deste país.


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