Folha de S. Paulo


Pedro Trengrouse: Otimismo no futebol brasileiro

Com a licença dos pessimistas de plantão, há motivos de sobra para otimismo no futebol brasileiro em 2015. Uma nova safra de dirigentes nas entidades de administração pode promover mudanças estruturais necessárias para enfrentar os desafios do século 21.

Na CBF assume o primeiro presidente eleito depois de um ciclo de 25 anos, numa situação bem mais confortável que seu antecessor.

O vexame na Copa não pode apagar que a seleção brasileira conquistou títulos importantes em todas as categorias e acabou com jejum de 24 anos na Copa do Mundo, ganhando 1994 e 2002.

A situação financeira da CBF, que em 1987 era tão periclitante que não conseguiu organizar o Campeonato Brasileiro, mudou a ponto de possuir hoje os maiores contratos de patrocínio do mundo.

O Campeonato Brasileiro, que até 2002 nunca havia sido disputado dois anos seguidos com a mesma fórmula, consolidou seu formato e tem hoje quatro divisões. Além disso, Fifa e Conmebol também começam o ano com significativa renovação em seus dirigentes.

No governo federal, o Esporte pode ganhar investimentos com o Ministro Aldo Rebelo à frente do Ministério da Ciência e Tecnologia. O PCdoB, depois de 12 anos à frente do Ministério do Esporte, sabe a importância de produzir conhecimento e inovação para o desenvolvimento sustentável do futebol brasileiro.

O novo Ministro do Esporte, George Hilton, recebido com duras críticas, representa um partido com quase o dobro de deputados que o PCdoB e merece um voto de confiança. Pode surpreender cercando-se de pessoas e instituições respeitadas e competentes, mantendo conquistas como a Lei de Incentivo e promovendo políticas públicas ainda mais audaciosas e eficientes.

O Congresso Nacional pode aproveitar o acúmulo no debate da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte e tratar de uma Lei Geral para acabar de uma vez por todas com os resquícios da ditadura do Estado Novo, que até hoje engessa a governança do esporte nacional.

Vale inclusive buscar inspiração na Suíça, que implementa em 2015 um pacote legislativo para combater a corrupção nas organizações esportivas.

Os clubes, embora fragilizados por um sistema que concentra riqueza nas entidades de administração e lhes impõe um calendário pouco racional, onde 90% joga apenas 4 meses por ano, faturaram em 2014 quase R$ 4 bilhões e com o potencial equacionamento das dívidas fiscais poderão se estruturar melhor neste ano que se inicia.

Os atletas, que nunca se organizaram para discutir questões estruturais do futebol, vem buscando participar cada vez mais através dos sindicatos e de movimentos como o Bom Senso, além de contar com vozes no parlamento como Deley, Danrlei e Romário, primeiro atleta eleito para o Senado Federal.

Empresas, clubes e torcedores consolidaram em 2014 uma aliança em torno do Movimento por um Futebol Melhor, gerando mais de R$ 200 milhões em receitas incrementais e descontos, alcançando a marca de quase 1 milhão de sócios-torcedores, um crescimento significativo em relação aos 158 mil de dois anos atrás.

As novas mídias, que bateram todos os recordes na Copa do Mundo, com mais gente seguindo partidas pelo Twitter que pela TV em alguns locais, prometem muitas oportunidades daqui por diante e os clubes já começaram a se mobilizar. Suas páginas produzidas pela Brahma no Facebook alcançam mais de 12 milhões de usuários e 500 mil interações por dia.

A decepção com a seleção, a Copa do Mundo deve motivar uma reflexão coletiva e profunda sobre o futebol no Brasil, que tem tudo para experimentar um novo ciclo de desenvolvimento a partir de 2015. Fica a lição de Sêneca: "Grande parte do progresso está na vontade de progredir".

O certo mesmo é que dificilmente 2015 será pior que 2014.

PEDRO TRENGROUSE, 35, é professor da FGV, foi consultor da ONU para a Copa e professor visitante em Harvard

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