Folha de S. Paulo


Editorial: A urgência do rodízio

A escassez de água que tira o sono de tantos paulistas, em especial na Região Metropolitana de São Paulo, agravou-se de forma acentuada nas últimas semanas. Se o governo ainda mantinha a imprudente esperança de que as chuvas de verão trariam alívio relevante, o mês de janeiro tratou de expor o equívoco de se fiar no clima.

Agora que a estação seca se aproxima, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) não parece ter condições de evitar a adoção urgente de medidas drásticas na capital. Sendo assim, o mínimo que se espera é que sejam implementadas de forma séria e transparente.

Não há de ser confortável para ninguém, mas, a fim de evitar um colapso ainda mais grave nas represas, tornou-se imperativo um verdadeiro rodízio –draconiano, bem entendido, com torneiras mudas por dias. Racionamento existe há meses, com a redução de pressão na rede distribuidora.

Até aqui houve restrições sem equidade, pois sofrem mais os habitantes de regiões elevadas. Sem reconhecimento, pois em 2014 o governador-candidato minimizou o problema. Sem a informação devida, pois a Sabesp resistiu a divulgar onde e quando faltaria água.

Vindo o rodízio, como será feito o corte? Por quanto tempo? Inacreditáveis cinco dias por semana?

Tal hipótese foi ventilada pelo poder público estadual da pior maneira. Veio pela boca de um subalterno, e sem detalhamento algum.

A manobra canhestra teve efeitos previsíveis. Paulistanos saíram a comprar reservatórios para estocar água, na busca individual por paliativos à imprevidência na gestão do bem coletivo. Seu desamparo é fruto da omissão do governador.

Nesta altura da crise, Alckmin já deveria ter apresentado um programa emergencial minucioso, indicando, sem subterfúgios, o que esperar a curto, médio e longo prazo.

Mas nem se sabe se o Estado dispõe de cadastro confiável para medir com precisão quanta água consome cada usuário ou outorgado, pessoas físicas e jurídicas. Se decidir induzir o racionamento com tarifação pesada e proibitiva, terá o governo dados suficientes para evitar injustiças e garantir uma ração mínima a cada contribuinte?

Estão cobertos de razão os prefeitos da região metropolitana ao cobrar de Alckmin um plano de contingência e a constituição de um comitê de crise.

Se já existisse, o grupo coordenaria campanhas muito mais agressivas de incentivo à economia, associadas a multas e punições severas ao desperdício –e não a publicidade anódina veiculada até aqui. Talvez assim os paulistas estivessem em situação menos dramática.

Geraldo Alckmin, porém, continua a confundir empáfia e propaganda com eficiência e resultados. Busca eximir-se de responsabilidade apontando para a disseminação da crise hídrica por outros Estados, como Rio de Janeiro e Minas Gerais. É fato. Mas cumpre lembrá-lo de que é à população de São Paulo que deve providências e satisfações. Hoje. Já.

Na toada atual, o pouco de água que restar nas represas cedo ou tarde impedirá que cumpra seu dever de abastecer São Paulo, mas não que veja refletida na superfície lamacenta a imagem de um político timorato, em vez de um líder.


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