Folha de S. Paulo


Editorial: Latifúndio de falhas

Em geral sentados em extremos opostos nas mais variadas mesas de debates, ambientalistas e ruralistas chegam a raro e saudável consenso quando está em discussão a regularização fundiária de terras ocupadas na Amazônia.

Ao menos no plano teórico, todos concordam que diminuir a insegurança jurídica constitui não só medida de justiça social, quando se consideram os milhares de proprietários que não dispõem de documentos confiáveis, mas também precondição para integrar vastas áreas à moderna economia do país.

Foi por isso mesmo recebido como um avanço o programa Terra Legal. Lançado em 2009, tinha a meta inicial de normalizar títulos que, somados, totalizam 674 mil km² –o equivalente a 8% do território nacional– espalhados por nove Estados da região amazônica.

Pela mesma razão, torna-se ainda mais lamentável constatar que, passados cinco anos, uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) identifique muitas falhas na execução do programa e poucos objetivos cumpridos.

Até julho de 2014, segundo relatório preliminar do TCU, haviam sido regularizados 7.951 títulos, de um total estimado em 150 mil. Nesse ritmo, a ação terminará em 2059.

O atraso, contudo, talvez nem seja o pior dos males. De acordo com a auditoria, há irregularidades, ou indícios delas, em quase metade (48%) das titulações. São proprietários que, por diferentes motivos, claramente não se enquadram, ou parecem não se enquadrar, nos critérios do Terra Legal.

Os problemas vão desde beneficiários que possuem outro imóvel rural no próprio nome até pessoas que declaram residência em outro Estado, passando, entre outros, por cadastrados que já morreram.

Ainda que parte das situações seja esclarecida, soa descabido supor que todas decorram de equívocos de boa-fé. Ao contrário, faz mais sentido imaginar que a maioria esconda manobras com vistas a obter áreas maiores que o permitido (1.500 hectares, ou 15 km²).

Seria a desmoralização do programa, que jamais poderia ser um prêmio à grilagem de terras, vetor do desmatamento. Seu propósito é fomentar o desenvolvimento sustentável na região, garantindo o cumprimento das leis ambientais.

O Ministério do Desenvolvimento Agrário até pode ter acelerado o ritmo da entrega de títulos, como afirmou a esta Folha. Sem incrementar a fiscalização, estará apenas aumentando a velocidade com que desperdiça a chance de organizar o caos fundiário na Amazônia.


Endereço da página: