Folha de S. Paulo


Editorial: Calcanhar de aquiles

O confronto entre o governo grego de esquerda e o establishment europeu será um ensaio geral das disputas que vão definir os rumos da União Europeia e as perspectivas dos partidos que, dos dois lados do espectro ideológico, procuram desafiar social-democratas e conservadores, que se alternam há 70 anos no poder.

Não está em jogo uma transformação radical. O Syriza, vitorioso na eleição da Grécia no domingo (25), propõe não muito mais que o retorno parcial ao status quo social-democrático pré-crise, com auxílio para os mais pobres e reversão de privatizações, por exemplo.

Para tanto, acredita ser necessário cancelar boa parte da dívida externa de seu país e aumentar os gastos públicos: uma denúncia do programa que submeteu o governo da Grécia à União Europeia, ao FMI e ao Banco Central Europeu.

O governo da UE, porém, dispõe-se a negociar apenas dilatações do prazo da dívida e reduções do esforço de poupança, a fim de minorar os efeitos da depressão econômica.

Não se trata simplesmente de relutância em financiar novo perdão da dívida. Mantendo a Grécia na linha, sob pena de consequências graves, o governo da UE tenta restaurar a credibilidade do pacto europeu de estabilidade: contas em ordem e reformas liberalizantes.

Além disso, procura desestimular reivindicações semelhantes em países como Espanha, Itália, Irlanda e Portugal. Por fim, concessões aos gregos poderiam suscitar indignação popular, que favoreceriam a extrema-direita e os eurocéticos.

Para o Syriza, sua vitória nas urnas representa um alerta diante das tensões sociais europeias. Na Grécia, o programa de austeridade derrubou a renda per capita em 25% desde 2008 e produziu desemprego de 26%.

O partido conta como trunfo a ameaça de calote e a saída da UE. Joga alto e precisa de resultados, pois tem adversários fortes –somados, centro-direita e neofascistas tiveram votação próxima à sua.

A elite europeia, todavia, não acredita que a retirada da Grécia cause agora tumulto grave, embora enfraqueça a União Europeia. O Syriza, por sua vez, blefa: dois terços dos gregos se opõem ao abandono do euro. A solução intermediária, entretanto, não está na mesa.

O Syriza, de todo modo, não parece revolucionário. A coalizão reúne ex-comunistas, ecologistas, socialistas, feministas e diversos outros movimentos da "esquerda antiliberal". Ainda assim, pode alterar o cenário político europeu.

Quanto maior seu sucesso, mais inspiradora tende a ser sua vitória para a esquerda, e maior tende a ser a crise dos partidos tradicionais. Por outro lado, ignorar a dureza social que motiva a ascensão do Syriza implica renovar tensões e radicalismos.

Alguma reconfiguração do quadro político soa inevitável.


Endereço da página: