Folha de S. Paulo


Roberto Abdenur: Para exportar mais, mais política externa

São animadoras algumas declarações dos ministros Joaquim Levy (Fazenda), Armando Monteiro (Desenvolvimento), Kátia Abreu (Agricultura) e Mauro Vieira (Relações Exteriores) sobre a especial importância de maior envolvimento do país no comércio internacional.

Tais palavras são importantes não apenas por indicar intenção de colocar mais ímpeto em nossos esforços de exportação, mas, sobretudo, por deixarem clara a intenção de buscar mudanças em nossa própria política de comércio exterior.

Levy foi feliz em tema que hoje desperta atenção por parte de organismos multilaterais, meios acadêmicos e centros de pesquisa: o fenômeno da crescente tendência à fragmentação de processos produtivos entre diferentes países, com a formação de cada vez mais amplas e intrincadas "cadeias internacionais de produção".

O BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), em estudo recente, mostra que a nossa região –o Brasil incluído– está de fora da tendência à multiplicação de tais encadeamentos. Mostra também que, quando presente, só participa como fornecedora de matérias-primas e insumos, não tendo acesso às etapas ulteriores, mais sofisticadas e rentáveis por força da maior agregação de valor.

O estudo assinala que a Ásia e a Europa estão adiantadas nesse processo, tanto dentro de cada região como no relacionamento com empresas dos EUA.

A leitura do trabalho do BID levou-me a perceber manifestações anteriores desse fato. Contemplei com admiração e até surpresa, por exemplo, quando embaixador em Pequim, entre 1989 e 1993, como a diplomacia chinesa serviu à reinserção do país na economia internacional, superando as fortes tensões que haviam marcado seu relacionamento com praticamente todos os vizinhos.

Mais tarde, entre 2004 e 2006, como embaixador em Washington, vi-me na contingência de atuar junto ao Congresso americano, em coordenação com a Confederação Nacional da Indústria, a Fiesp e a Câmara Americana de Comercio, para evitar a exclusão do Brasil no Sistema Global de Preferências Comerciais.

O principal argumento usado por nós foi o do grave impacto político que nossa exclusão suscitaria no país. E, em outro plano, o fato de que mais de 40% de nossas vendas constituíam insumos relevantes para a competitividade da indústria norte-americana.

Dei-me conta de que esse fenômeno não diz respeito apenas a questões de política econômica, industrial ou de comércio exterior. Tem a ver com política externa, pois é a ela que muitas vezes cabe abrir caminho para a política comercial.

Nesta dificílima etapa em que nos encontramos, urge a correção de erros estratégicos de nossa política externa, como a excessiva priorização das relações Sul-Sul e da Rodada Doha, da Organização Mundial do Comércio, em favor de abordagens mais realistas e pragmáticas.

As relações com outras nações em desenvolvimento não devem ser menosprezadas, mas não são suficientes para nos propiciar níveis mais elevados de desenvolvimento para o país, ou para nos viabilizar um salto qualitativo em nossa inserção na economia internacional, mediante ganhos de produtividade, de competitividade e de inovação.

É nos mercados da América do Norte e da Europa, sobretudo, que melhor podemos nos inserir. É da interação com eles que podemos mais fácil e prontamente lograr conhecimento, novas tecnologias e técnicas de produção, gestão, governança e conexões com outros atores.

Podemos adquirir também experiência e desenvoltura que nos propiciem a redução de nosso enorme atraso em relação às novas tendências que vão confirmando os novos padrões de comércio e interação entre as nações.

ROBERTO ABDENUR, 72, diplomata, foi embaixador do Brasil na China (1989-1993), na Alemanha (1995-2001) e nos Estados Unidos (2004-2006)

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