Folha de S. Paulo


Editorial: Terror na Nigéria

Passou quase despercebido, na semana passada, um massacre de proporções catastróficas ocorrido em Baga, cidade no nordeste da Nigéria. Autoridades locais afirmam ter desistido de contar os corpos, e por essa razão não se sabe ao certo quantos são os mortos. Segundo estimativas da Anistia Internacional, seriam cerca de 2.000.

Foram todos chacinados por fanáticos da milícia islâmica Boko Haram, que desde 2009 provoca sangrentos conflitos no país mais populoso da África. Calcula-se que a facção tenha assassinado 10 mil pessoas somente em 2014.

A espiral de atrocidades inclui o sequestro de quase 300 meninas nigerianas, em abril. De acordo com os relatos de uma fugitiva, algumas reféns sofriam estupros diários; por meio de um vídeo, o grupo afirmou que elas seriam vendidas para "casamento". Até hoje o caso não teve solução.

Nenhum ataque do grupo, todavia, havia sido tão mortífero quanto o que devastou Baga. A investida parece fazer parte de uma nova estratégia de conquista territorial –a facção recentemente anunciou a intenção de criar um califado na Nigéria, a exemplo dos fundamentalistas do Estado Islâmico, com atuação na Síria e no Iraque.

Calcula-se que o Boko Haram –cujo nome significa "educação ocidental é proibida", na língua hausa– domine hoje uma área de cerca de 25 mil km2, porção pouco menor que o território da Bélgica. Aproximadamente 1,5 milhão de nigerianos vivem nessas terras.

O centro da violência é o isolado nordeste do país, região de maioria muçulmana paupérrima: no norte, 72% vivem na pobreza, contra 27% no sul, de maioria cristã.

Essas características demográficas chamam a atenção para um fato que tende a desaparecer das análises sobre atentados como os que mataram 17 pessoas em Paris: quem mais sofre com o extremismo muçulmano são pessoas que seguem o credo islâmico.

Informações de 2011 recolhidas pelo Centro Nacional de Contraterrorismo dos EUA mostram que, nos cinco anos anteriores, considerados os episódios em que era possível discernir a religião dos mortos, de 82% a 97% das vítimas do terrorismo eram muçulmanas.

O dado indica o quanto há de simplificação no discurso de alguns partidos políticos europeus que, partindo da ideia de "choque de civilizações", propõem aumento das restrições aos imigrantes em geral –e aos muçulmanos em particular. O terrorismo precisa ser enfrentado com inteligência e rigor, e explicações fáceis nada contribuem para isso.


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