Folha de S. Paulo


Editorial: Tempo desperdiçado

O governo do Estado de São Paulo decidiu multar consumidores da região metropolitana da capital que usarem água em demasia. A sobretaxa poderá resultar num acréscimo máximo de 50% na conta e será calculada pelo excedente em relação à média de fevereiro de 2013 a janeiro de 2014.

Sem dúvida impopular, o mecanismo se justifica pela grave crise de abastecimento que afeta parte dos paulistas e pela necessidade de promover um uso mais racional dos recursos hídricos. Nos últimos dez anos, o consumo do líquido na Grande São Paulo cresceu 26%. Os moradores da região valem-se em média de 175 litros por dia, 65 a mais do que recomenda a ONU.

Para ficar com o termo empregado pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), serão todos "gastões"? Talvez. Mas nem todos os que registrarem cifras maiores no hidrômetro terão incorrido em desperdício. O crescimento da família, por exemplo, pode levar a um aumento legítimo do gasto com água.

Se o Estado precisa atentar para esses casos, de modo a evitar injustiças, nem por isso têm cabimento reações exageradas, como a da OAB-SP. Atendo-se a um formalismo descolado da realidade, a entidade considera medidas judiciais contra a sobretaxa.

Desconsidera, pelo visto, a estiagem recorde. Com a exceção de março, as chuvas acumuladas nas represas do Cantareira estiveram abaixo da média histórica em todos os meses desde julho de 2013.

Como consequência, o principal sistema de abastecimento de São Paulo se aproxima da exaustão. O nível dos reservatórios chegou ontem (19) a 6,7%, já computadas as duas cotas do volume morto.

A situação é extrema, mas não inadvertida. Relatórios da Sabesp têm apontado, há alguns anos, o risco de desabastecimento na capital. Não por acaso o governo cogita da multa desde maio –e talvez devesse tê-la adotado ainda antes.

Mas, de olho no calendário eleitoral, Alckmin adiou ações que, embora necessárias, pudessem ter impacto negativo nas urnas.

O governador ainda deve explicações sobre a demora para melhorar as redes de água e esgoto, bem como para aumentar a capacidade dos reservatórios. Obras cruciais iniciadas com a crise em curso não terão efeito antes de 2016.

Para piorar, as projeções não se mostram auspiciosas. Nesta semana, a Academia Brasileira de Ciências divulgou uma carta na qual afirma haver uma "ameaça real à segurança hídrica no Sudeste".

Talvez 2015 transcorra sem maiores problemas –tomara. Terá sido por sorte, contudo, e não pelo planejamento do governo tucano.


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